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Delito de Opinião

Deutschland uber alles? Nah, só queremos o dinheiro.

José António Abreu, 21.07.11

Da esquerda à direita lamenta-se a inexistência de líderes «fortes» na Europa. Acusa-se Merkel de afundar o «projecto europeu». Defendem-se os eurobonds e a desvalorização do euro. Acho piada (o meu humor é com frequência negro). Ponto um: em tempo de paz, os grandes líderes são quase sempre aqueles que têm a sorte de estar no poder quando a economia cresce e os eleitorados andam satisfeitos (terem memória de uma guerra recente também ajuda). Merkel é fraca? Pelo contrário, é tão forte que resiste tenazmente às nossas pretensões. Mais importante: estamos mesmo convencidos de que Delors, Mitterrand ou Kohl (não vale a pena recuar mais; a realidade dos anos cinquenta e sessenta era tão diferente que é como se fosse outro planeta) fariam melhor nas actuais circunstâncias? Provavelmente estamos: somos sebastiânicos, sempre à espera de líderes providenciais, e preferimos imaginar mundos alternativos perfeitos a enfrentar a realidade. Afinal, foram Delors, Mitterrand e Kohl que puseram tudo isto em marcha ao delinearem o Tratado de Maastricht. Mas – ponto dois – se entre nós o anseio por líderes com capacidades sobre-humanas é antigo, também a tendência para desvalorizar a moeda está longe de ser recente. Desvalorizar é a via de quem não sabe ou consegue mais. Momentaneamente útil, permanece uma ilusão caso não sejam criadas condições para a tornar desnecessária no futuro (mas, lá está, preferimos ilusões). Se, por si, a desvalorização resolvesse alguma coisa seríamos há muito um país rico. Os alemães sabem-no, vacinados que ficaram com a hiperinflação do início da década de vinte do século passado. E a verdade é que, mesmo antes da introdução do euro, saíam-se bastante bem. Irrelevâncias, todavia. Nós é que estamos certos. Queremos ainda obrigá-los, através dos eurobonds, a garantir o nosso nível de despesa (ah, desculpem: ponto três). Em troca, prometemos continuar a comprar carros alemães (e, caramba, como eu desejo uma Leica M9). Ao aceitar o euro, a Alemanha aceitou várias novas reunificações mas não assegurou o poder de definir as regras. Erro crasso. Fê-lo porque ninguém aceitaria que fosse de outra forma e porque não queria o trabalho, os custos e a responsabilidade de organizar a Europa. (É irónico mas, desta feita, com quase toda a Europa disponível para ser conquistada, a Alemanha não deseja conquistar a Europa.) Porém, os desejos germânicos também esbarram na realidade e Merkel só tem duas hipóteses: pagar e pagar e pagar e voltar a pagar e pagar mais um pouco ou, percebendo que nunca nos conseguirá disciplinar, deixar falir os países que tiverem de falir, aceitando as consequências para o euro, para a União Europeia e para a própria Alemanha. Será suficientemente forte para isto? Se não for e decidir caucionar o endividamento dos países periféricos, precisa obviamente de garantir que eles controlam as contas públicas e implementam as reformas necessárias para subirem os níveis de produtividade. Tem de impor uma união fiscal e política e preparar-se para governar efectivamente toda a Europa, impondo as políticas que os governos grego e português e italiano e espanhol não conseguem implementar eficazmente. Não seria bonito de ver mas está amplamente demonstrado que, deixados a nós mesmos, somos incapazes de resolver a situação. É verdade que, com líderes «fortes», eurobonds, desvalorização do euro e demais paliativos que se venham a engendrar, durante uns tempos talvez não precisássemos. Mas a prazo nem a Alemanha seria competitiva (como, ainda assim, pode vir a não ser). Que importa? É mais fácil nivelar por baixo. Exigimos da Alemanha que siga os nossos padrões e, como qualquer rufia cheio de razão, encaramos mal manifestações de resistência. Compreende-se: os desmancha-prazeres são do mais irritante que existe. Anda lá, Angela, oferece-me a Leica.

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