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Delito de Opinião

Comissão de Serviço XII

Fernando Sousa, 10.07.11

SURUMA

 

Por esses anos, Nampula era uma cidade cheia de vendedores ambulantes, que se apinhavam ao domingo junto da igreja ou se espalhavam pelas esquinas de segunda a sábado. Os principais compradores eram, claro, os brancos, na maior parte militares, ou a abastada comunidade indiana.

Vendia-se tudo, caju, vegetais, colares de missangas, pulseiras ditas de pêlos-de-elefante, peixe seco ou pau-preto, a madeira de mpingo que os artesãos desbastavam, a canivete, até encontrar dentro mães africanas em estilo de Nossas Senhoras, Cristos suspensos ou meros objectos de uso caseiro.

No meio das leguminosas e das figurinhas pretas, alguns ofereciam por poucos escudos saquinhos de suruma – o nome, ali, da canábis, ou cânhamo indiano, ou maconha, se quiserem, um preparado de folhas e flores secas, que, fumado, tem óptimos efeitos de alheamento. Bem; é um estupefaciente.

Umas passas, e não eram precisas muitas, serviam às mil maravilhas, no caso dos militares, para transformar uma operação numa passeata, dar um salto a casa, em A-da-Gorda, Aguçadora ou Vila Nova do Coito, sem sair da colónia ou trocar, por umas horas, a condição humana pela liberdade de um pássaro.

[Foi sob esse efeito que o furriel da Comissão de Serviço VIII se transformou num canário.]

A suruma foi sem dúvida, nesses anos, a mais querida das madrinhas de guerra: adormecia-nos, acordados e vivos, sem pedir nada.

 

(Notinhas de uma guerra engolida)

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