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Delito de Opinião

Diário irregular

Sérgio de Almeida Correia, 30.05.11

30 de Maio

 

“- Portanto, Gláucon, precisaremos também na nossa cidade de um chefe capaz de regular esta associação, se quisermos salvar a nossa constituição.

- Por certo que precisaremos, e muito.”

Platão, A República (Diálogos - I)

  

O país começou a semana de trabalho, para os que trabalham, com os comboios parados. O transtorno que tudo isto causa é coisa de loucos. Centenas de comboios suprimidos, milhares que não conseguem chegar a horas aos locais de trabalho. Quem tem mota ou carro e dinheiro para o combustível nunca fica apeado. Só o pobre que mora nos subúrbios é que está dependurado da CP. Uns são irresponsáveis, outros primam pelo disparate. Numa altura em que as únicas profissões com saída são as de comentador televisivo e de sindicalista, falar de produtividade e defesa dos postos de trabalho numa altura de crise como esta deve ser uma coisa esotérica para os sindicalistas da CP. O meu avô Miguel, que fez pelos ferroviários portugueses o que muitos deles nem imaginam, lá no sítio onde está deve olhar para os tipos e perguntar para si se eles não percebem que o sindicalismo está a regredir. Não por falta de causas mas em razão do atavismo e surda ignorância dos seus dirigentes.

 

Tudo o que passa pelas Finanças parece mesmo que deixou de funcionar. Dos faxes aos computadores está tudo a precisar de uma vassourada. Das grandes. Uma jovem que quer ser empresária queixa-se de que anda há vários dias a tentar aceder ao site do Ministério para declarar o início de actividade e que enquanto não puder fazê-lo não poderá trabalhar. Estava desempregada e como não é de ficar à espera do subsídio pôs mãos-à-obra. Como não obtinha resposta da máquina, nem mesmo às horas em que os serviços estão encerrados, foi a uma repartição entregar o formulário, pensando que um humano lhe resolveria o problema. Qual quê. Não lhe aceitaram o formulário. Ficaram todos a olhar para os monitores dos computadores. E conversando horas a fio. A cena repetiu-se durante vários dias. Mandaram-na embora e disseram para ir tentando. O sistema estava em baixo.. Está o sistema, estão eles e estamos todos nós.

 

A chegada de Manuela Ferreira Leite e Mário Soares à campanha eleitoral começa a mostrar que o mar está encapelado. É difícil navegar nas águas do eleitorado do centro. Mas enquanto um apela ao voto para que não caia o resto que dificilmente se vai aguentando em pé, há quem expluda em ressaibo. Já nem se trata de apelar ao voto no candidato menos mau. É, isso sim, apelar à rejeição de quem não se gosta. Também nos dois os traços do carácter são indisfarçáveis por mais anos que passem.      

 

Marcelo Rebelo de Sousa devia saber que o tipo de intervenção que ontem fez na TVI é uma coisa muito feia para uma pessoa do seu nível académico e intelectual. Em plena campanha eleitoral,  falando na maior parte dos casos para gente pouco informada e facilmente manipulável, é triste, muito triste, que use um espaço que se quer sério para um apelo consciente – e ele que me perdoe, eu diria mesmo a raiar o desonesto - ao voto num dos partidos concorrentes.

 

O Bastonário da minha corporação ficou enxofrado com a prisão preventiva dos petizes que conduziram aquela selvajaria que as televisões ainda mais irresponsavelmente não se furtaram a repetir durante dias e dias seguidos para que todos se pudessem deliciar com os bárbaros de cada vez que pegavam no tema. Não compreendo a sua reacção embora compreenda a sua posição de princípio quanto à prisão preventiva. Lamento desiludir os que pensam como ele, a começar por ele próprio, mas o estado a que essa gente se habituou a descer não conhece, nem merece, outra linguagem, sob pena de um destes dias acordarmos todos na selva governados pelos petizes. Se o caminho a seguir com os grafittis, com a corrupção, com tudo o que desfeia a nossa sociedade fosse o mesmo, certamente que não estaríamos como estamos, acampados e à espera que nos fiscalizem.

 

Agora a discussão é em torno das alterações ao memorando assinado em Lisboa com os senhores do FMI, do BCE e da UE. Estes cretinos não têm mais nada que fazer senão criar casos. Casos e mais casos. José Sócrates não tinha necessidade de ter feito o que fez. Passos Coelho não consegue disfarçar o seu lado calimero de cada vez que abre a boca. A esperteza do primeiro-ministro era dispensável. Se é verdade que os dois documentos que estavam em causa teriam de ser compatibilizados, era escusado fazê-lo dessa forma. Perderam os dois. Um porque voltou a fazer como não devia – não custava nada ter reafirmado aos demais partidos que os documentos teriam de ser articulados em Bruxelas e tê-lo dito de maneira a que todos os portugueses percebessem, sem subterfúgios. O outro porque se fez de tonto – ou será mesmo? – e levou como resposta que os documentos estavam há vários dias na Internet acessíveis a quem quisesse lê-los. No final foi Paulo Portas, o tal que lidera um partido de direita que já está à esquerda do PSD, quem mais uma vez, como sempre, saiu a ganhar. A esperteza ignorante de uns são os votos certos dos outros. E o seu Euromilhões.

 

A hipocrisia tomou conta da campanha. A coisa assume uma dimensão medonha.  

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