Os filmes da minha vida (32)
ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE MORRESTE:
TODAS AS APARÊNCIAS ILUDEM
À primeira vista, surge-nos como um thriller original, que decompõe as regras da cronologia, rodado em tons escuros e frios, acentuando as características formais de filme negro. Mas é, essencialmente, uma espantosa longa-metragem que nos fala da vertiginosa erosão dos valores morais no mundo contemporâneo, da progressiva dissolução dos laços familiares, que nenhuma engenharia social substitui, e nos mostra um mundo onde só o dinheiro conta - o mundo em que estamos mergulhados até à medula neste início de milénio que nada teve de redentor.
Neste filme em que não há bons, o menos mau é afinal o que no princípio nos parece pior, confirmando uma elementar regra do cinema (e da vida): as aparências iludem. A diluição da cronologia faz aqui sentido - para vincar que somos prisioneiros do passado e que este por sua vez condiciona as nossas acções futuras.
Tudo servido por um quarteto de magníficas interpretações - do melhor que tenho visto de há muito - sob a direcção do mais veterano cineasta ainda no activo em Hollywood: mestre Sidney Lumet, com 84 anos de vida e acima de meio século de carreira. Estreou-se no cinema em 1957, com o fabuloso Doze Homens em Fúria, e continua a difundir arte de filme em filme com uma vitalidade que raras vezes vemos hoje em realizadores com idade para serem seus netos. O que é um motivo acrescido para merecer um caloroso e prolongado aplauso.
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Antes que o Diabo Saiba que Morreste (Before the Devil Knows You're Dead, 2007). Realizador: Sidney Lumet. Principais intérpretes: Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Marisa Tomei e Albert Finney.
Publicado aqui e reeditado como homenagem a Sidney Lumet, um mestre do cinema que ontem nos deixou