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Delito de Opinião

Convidado: MR. BROWN

Pedro Correia, 01.04.11

 

'O Comboio Apitou Três Vezes' ou 'Rio Bravo'?

 

Poucos são os amantes de westerns a quem ainda não foi feita esta pergunta. Por que assim é explica-se em poucas linhas. Corria o ano de 1952 quando O Comboio Apitou Três Vezes (High Noon, no original) de Fred Zinnemann foi exibido no grande ecrã. O filme apresenta um xerife com grande sentido de justiça, representado por Gary Cooper, que vê-se abandonado pelos que o rodeiam na luta contra um quarteto de pistoleiros que ameaçam o ambiente tranquilo e pacato de uma pequena cidade. Carl Foreman, o argumentista, usou de um ambiente alegórico para simbolizar o período do McCartismo nos Estados Unidos e o filme é um dos melhores retratos da grande diferença que vai entre o reconhecer o que está certo e fazer o que está certo. Quem não gostou do filme foi John Wayne que considerou-o "a coisa mais não-americana" que alguma vez havia visto na vida. Howard Hawks, realizador de êxitos como Os Homens Preferem as Loiras, também não ficou particularmente agradado, tendo afirmado que "um xerife não sairia correndo pela cidade como uma galinha sem cabeça à procura de ajuda". A resposta de Hawks e Wayne chegou ao grande ecrã sete anos depois, em 1959, com Rio Bravo. Neste, Wayne retrata um xerife que teima em não pedir ajuda, embora frequentemente a receba. O Kane (Gary Cooper) de O Comboio Apitou Três Vezes é um homem que, apesar da grande coragem demonstrada, dá mostras de vacilar, que tem dúvidas e cede momentaneamente ao desespero; já o John T. Chance (John Wayne) de Rio Bravo tem os níveis de autoconfiança nos píncaros e se receia algo não dá mostras disso - uma visão mais máscula do herói do faroeste que Hawks e Wayne partilhavam. Gary Cooper, tendo bem frescas na memória as críticas ao seu filme, disse de Rio Bravo que era "tão falso que ninguém acredita nele". Equivocou-se, naturalmente.

Fora as picardias, do ponto de vista da aclamação crítica, O Comboio Apitou Três Vezes leva a melhor sobre Rio Bravo. O segundo ficou sem qualquer Óscar, o primeiro teve quatro, incluindo um pela interpretação de Gary Cooper que, ironicamente, por ter faltado à cerimónia pediu a John Wayne que o recebesse em seu nome. O American Film Institute na lista dos melhores filmes do século incluiu O Comboio Apitou Três Vezes na 33ª posição, enquanto Rio Bravo nem figurou na lista. Contudo, é certo que do ponto de vista da aclamação popular ambos saem vencedores, quiçá com uma pequena vantagem para Rio Bravo, verdadeiro filme de culto que tanto serve para Quentin Tarantino testar o gosto das namoradas, como de inspiração a John Carpenter para o Assalto à 13ª Esquadra. Por outro lado, para avaliar o impacto d'O Comboio Apitou Três Vezes, basta notar que é o filme favorito de muitos dos que habitaram a Casa Branca, começando por Eisenhower, passando por Reagan e terminando em Clinton, que durante o período em que foi Presidente o terá visto por dezassete vezes.

 

 

 

A explicação para a má onda dos críticos para com Rio Bravo pode estar na simplicidade do argumento, mas é nessa simplicidade que está parte do segredo do filme. Na simplicidade do argumento combinado com um bom humor permanente, numa enorme sensibilidade de Hawks na adopção do ritmo, intensidade e desenvolvimento da acção - uma fórmula copiada por muitos outros realizadores que se lhe seguiram -, numa banda sonora fabulosa e num conjunto de actores com interpretações inesquecíveis. Tudo isto resultou em puro entretenimento, do melhor alguma vez produzido. Já O Comboio Apitou Três Vezes, que recorre à técnica de contar a história em tempo real - confrontando o espectador de tempos a tempos com relógios de parede que nos alertam para o esgotamento do tempo que resta ao protagonista e intensificam o efeito dramático -, busca a sua força numa abordagem que pretende ser mais séria e forçar-nos a pensar sobre o mesmo muito para além dos 85 minutos que dura a acção. No que toca ao elenco, O Comboio Apitou Três Vezes tem menos força que Rio Bravo, embora mal se note porque todo o filme é carregado às costas por um Cooper no seu melhor. Mas Grace Kelly, no papel de Mrs. Kane, foi um erro de casting só perdoado pela beleza da actriz. Já o acerto na escolha de Angie Dickinson em Rio Bravo é inegável. Inegável é também a beleza da cena de abertura d'O Comboio Apitou Três Vezes, acompanhada pela canção Do Not Forsake Me, Oh My Darlin' na voz de Tex Ritter. Mas na música Rio Bravo não lhe fica atrás e naquela que é a sua cena mais icónica apresenta um Dean Martin acompanhado pelo derrete-corações Ricky Nelson a cantarem My Rifle, My Pony And Me.

Dois excelentes filmes que ajudaram a imortalizar o género western para todo o sempre pelo que de pouco se justifica colocar as coisas nos termos inicialmente apresentados, de um como resposta ao outro. Na essência não serão tão antagónicos quanto isso e no fundo é tudo cinema, do melhor cinema. Ainda assim, termino ensaiando a resposta possível à pergunta que comecei por colocar: nem um, nem outro; A Desaparecida de John Ford e não se fala mais nisso.

 

Mr. Brown

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