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Delito de Opinião

Temos tudo menos o que nos faz falta

Sérgio de Almeida Correia, 10.03.11

Tem sido assim há décadas. E já era assim antes do 25 de Abril. Os últimos ficaram na 1ª República. Desde então limitamo-nos a cultivar o que aparece e, como ainda ontem se viu pelos discurso que o Presidente da República proferiu na sua tomada de posse, o resultado é sofrível. São anos seguidos a fazermos o diagnóstico, a aviarmos receitas, a aconselharmo-nos com os gurus que aqui aterram. São seminários, são conferências, são mesas redondas, são programas radiofónicos, são palestras, são os jornais, são as televisões, ultimamente também as redes sociais. E, no entanto, não saímos da casa da partida. Da mesma forma como alguns pegam touros embolados, outros batem na mulher, nos velhos e nas crianças. Outros fazem despachos e sentenças obtusas e quando questionados puxam logo pelos galões para se justificarem e nos confundirem. E alguns há que se especializaram a entrar mudos e sair calados. Estes, sabe-se lá porquê, têm uma excelente imagem junto da opinião pública e, em especial, da publicada. Há ainda uma outra espécie que é a que faz discursos. Uma, duas, três, muitas vezes por ano discursa. Terrivelmente, as mensagens que têm enviado assemelham-se a piropos de trolha. Umas vezes fazem rir, outras revelam ignorância, em muitas ocasiões revoltam os destinatários. Apregoamos a nossa excelência em todo o lado, exaltamo-nos com demasiada facilidade com o mais pequeno êxito e logo a seguir, à maneira dos bipolares, mergulhamos num buraco de cuja escuridão se liberta o pior da nossa alma, de onde se soltam ecos, gritos estridentes, vozes, frases que se soltam misturadas com a saudade e o apelo ao irracional. A nossa tolerância, disfarçada em oito séculos de história, esconde tudo aquilo que nos falta. Falha-nos a coragem nos momentos cruciais. Só em embrulhadas nos safamos. Sempre que é necessário traçar um rumo, gizar um futuro, assumir os riscos, olhamos para o lado à procura de auxílio, de apoio. E até na hora na desgraça somos incapazes de olhar para um espelho e chorar sozinhos. Nós não somos feitos da "mesma matéria de que são feitos os sonhos". Porque ao discurso vigoroso segue-se a voz de falsete. O compromisso. E até no momento em que se impunha assumir o risco, sem subterfúgios, preferimos a ilusão discreta do conjunto. Houve quem já tivesse sugerido o caminho a seguir. Mas o que quer que se faça já deveria ter acontecido ontem. Como, de igual modo, o discurso que todos comentam podia ter sido proferido há duas décadas. Há cinco anos. Ou até há apenas três meses. O resultado acabaria por ser sempre o mesmo. Porque na hora da verdade eles continuam ausentes. Temos para o refogado, para os doces, para a salada, com alface ou à montanheira, para efeitos reprodutivos, para lixar os vizinhos, para encalacrarmos a justiça, para fazer a cabeça aos polícias, para darmos quatro aos espanhóis, para desfilarmos em manifestações pungentes, para cantarmos fados de ir ás lágrimas, para pedirmos à Senhora de Fátima e ao Santo António o milagre impossível, para arregimentarmos lorpas para as petições que criamos, para relatarmos as nossas proezas nos cafés, para oferecermos caixas de robalos aos amigos de ocasião, para metermos cunhas, para oferecermos comendas e medalhas e até para subscrevermos posts anónimos na blogosfera. Sim, porque até para isso é preciso tê-los. Somos muitos milhões. Nessas alturas até os temos no sítio. Temos para dar e vender. Temos para tudo. Só não temos para o que nos faz falta. 

 

Este país precisava de ter um bom par de tomates. Um só bastava. Um bom par de tomates. Tomates carnudos, viris, brilhantes, daqueles que quando lhes chegassem uma faca espirrassem por todos os lados e nos deixassem todos borrados. Em todos os sentidos. E até podia ser um par de tomates de uma  mulher. Quem sabe se dessa forma não voltaríamos todos a ter um par de tomates decente. E então, e só então, fossemos capazes de nos livrarmos da geração de Abril, da geração do soarismo, da geração do cavaquismo, da geração do guterrismo, da geração do santanismo, da geração à rasca, dos enrascados que nos rodeiam e, também, destes destomatados todos que nos governam há mais de três décadas e que se divertem a fazer diagnósticos e a apresentar moções de censura e de confiança enquanto a horta fenece.    

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