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Delito de Opinião

Diário irregular

Sérgio de Almeida Correia, 09.03.11

8 de Março

 

Nesta vida tudo são disparates. É só uma questão de perspectiva.” – Carlos Ruiz Zafón

 

Já passaram uns dias. Os ecos continuam. A vitória dos Homens da Luta no Festival RTP da Canção ainda gera discussões acaloradas. Há muito que deixei de acompanhar essa manifestação da insignificância nacional, da piroseira institucionalizada, mas este ano as coisas foram diferentes. Fiquei a saber do que se passou via Internet. De relance ouvi o Tozé Brito dizer que a cançoneta não era má. Não a considero menos deplorável do que muitas outras que por lá passaram com apreciável sucesso. E colorido. Mas esta tem o mérito de ser uma paródia, a modos que uma sátira ao próprio festival. E contaram com a colaboração dos telespectadores. O Jel diz, com evidente gozo e razão, que é a democracia a funcionar. Não tenho qualquer dúvida, pese embora o desconsolo de todos aqueles que não suportaram o resultado. O que irá acontecer na Alemanha é o que menos interessa. Mais do que o inesperado do resultado, ou da imagem do país televisivo instalado e contentinho, temos ali mais uma certidão de óbito do festival. A imagem dos vencedores a passear num jardim com o megafone e a jarra de cristal foram elucidativas.

 

Sem megafone ficaram aqueles jovens que pagaram o jantar e não conseguiram discutir com José Sócrates a moção que este vai levar ao congresso. A encenação foi mazinha e revelou que a geração “mais bem preparada de sempre” ainda tem muito que aprender. Se o objectivo era serem ouvidos não o foram. Deram nas vistas, geraram confusão, acabaram gozados pelo “chefe”. É natural que fazendo as coisas daquela forma, com aquele nível de preparação e organização, estejam todos “à rasca”. Eles, os pais deles e o país. Eu teria pedido apoio àquele deputado que ficou “à rasca” com o corte no seu salário e que queria um horário alargado da cantina da Assembleia da República. Quem se queixou da forma que aquele o fez, depois de ter conseguido o feito de integrar as listas de deputados em lugar elegível, deverá ser a pessoa indicada para lhes ensinar alguma coisa. A desenrascarem-se, por exemplo.

 

Marques Mendes, na sua ânsia de dizer coisas, disse esta noite no jornal da noite da RTP2 uma coisa notável: fazem-se eleições porque ninguém tem a certeza de haver antecipadamente uma maioria absoluta, pois que de outro modo não valeria a pena realizá-las. As palavras não terão sido exactamente estas. O sentido foi. Não admira que tenha sido líder do PSD e agora seja comentador político encartado.

 

Faltam menos de 24 horas para a tomada de posse de Cavaco Silva. Fazendo fé no que foi dito durante a sua campanha, os juros da dívida deverão começar a descer já amanhã. Espero que alguns deputados não deitem agora tudo a perder, aparecendo na cerimónia com aqueles fatinhos com que costumam receber as visitas. É que se os completarem com aquelas gravatas roxas e lilases, tipo “novas oportunidades”, que enxameiam os canais televisivos e se confundem com os paramentos da Quaresma, tenho a certeza de que o FMI, os banqueiros e os senhores das agências de rating ficarão ainda com pior impressão da nossa situação económica. E aí será inevitável uma intervenção externa.

 

Um rapaz que frequenta o 8º ano esclarece que só sabe assinar o nome, que ler sozinho é coisa que não consegue fazer e que se farta de faltar às aulas. Percebe-se que foi passando de ano em ano sem saber nada. A jornalista pergunta-lhe como chegou até ali. Não é com ele. Uma professora da escola que ele frequenta, no seu melhor “eduquês”, vem dizer que é impossível. Não vale a pena desmenti-la. A geração “mais bem preparada de sempre” encarregar-se-á de o fazer. E de despedi-la. Já faltou mais.