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Delito de Opinião

Os filmes da minha vida (30)

Pedro Correia, 13.03.11

 

 

INDOMÁVEL:

UM MUNDO COM BONS E MAUS

 

O cinema clássico ama as suas personagens acima de todas as coisas e considera uma virtude saber narrar uma boa história. Partindo destas premissas, os irmãos Ethan e Joel Coen são legítimos herdeiros da herança clássica de Hollywood, como acabam de comprovar num dos melhores westerns ali produzidos de há muitos anos a esta parte.

Indomável reúne todas as convenções do género e potencia-as numa realização eficaz, tecnicamente irrepreensível e servida por um magnífico elenco do qual se destacam Jeff Bridges naquele que é porventura o melhor papel da sua longa carreira e a estreante Hailee Steinfeld, ambos nomeados para os Óscares - ele como actor principal, ela como actriz secundária, num critério que não deixa de suscitar estranheza, pois o papel que aqui desempenha nada tem de secundário: ela é a figura central do filme e a única que o percorre do princípio ao fim.

 

Bridges, na sua problemática relação com os Óscares, acabou de ser vítima do próprio sucesso: depois de ter sido negligenciado durante quase quatro décadas pela Academia, recebeu enfim a estatueta há um ano, pelo seu papel como cantor em Crazy Heart, que nenhum distribuidor português quis exibir nas salas de cinema; esse prémio impediu-o, na prática, de ser galardoado agora com esta soberba recriação do marshall Rooster Cogburn que já havia sido interpretado por John Wayne no original True Grit (realizado em 1969 por Henry Hathaway e que em Portugal recebeu o título d' A Velha Raposa).

Wayne, justificadamente, ganhou o Óscar - aliás, o único que alguma vez recebeu. Bridges, que não lhe fica atrás na interpretação do agente da lei com uma tendência demasiado óbvia para premir o gatilho, também merecia ter sido distinguido: esta actuação ficará para a história como uma das grandes interpretações do cinema norte-americano contemporâneo.

 

Os irmãos Coen, que já haviam revisitado com sucesso o cinema negro em títulos como Fargo (1996) e Queime Depois de Ler (2008), mostram-se aqui exímios na recriação do western. Nomeadamente na acentuação do contraste entre as minúsculas paixões humanas e a imensidão da natureza: nenhum género cinematográfico ama tanto as paisagens naturais como este. E também na expressão de uma ética muito própria: aqui não há ambiguidades morais - os bons são mesmo bons (nomeadamente a manejar armas) e os maus são mesmo maus. A uns espera-os a devida recompensa, a outros estão destinados merecidos castigos.

Nada de anacronismos históricos, nada de ceder à tentação de transportar para a oitava década do século XIX os conceitos e os valores em voga na primeira década do século XXI. Nada de glamour pós-moderno, nada de moralismos de pacotilha, nada de correcção política.

Bridges é um digno herdeiro de Wayne, os Coen inserem-se na linhagem de Ford. E há mesmo uma citação explícita d' A Desaparecida na cena em que Rooster pega em Mattie Ross ao colo para a resgatar de todo o mal. Nenhum cinéfilo pode dissociar este momento daquele em que Ethan/Wayne recupera enfim Debbie/Natalie Wood, conduzindo-a a casa.

 

Esta é uma película que nos transporta a uma época de pioneiros e nos devolve as linhas divisórias entre o bem e o mal. Saímos do cinema com a convicção antecipada de que um dia regressaremos a ela, tocados de nostalgia.

Eis o maior elogio que se pode fazer a um filme: acabado de estrear, já é alvo de culto cinéfilo. De bem poucos hoje em dia se pode dizer o mesmo.

 

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Indomável (True Grit, 2010). Realizadores. Ethan Coen e Joel Coen. Principais intérpretes: Jeff Bridges, Matt Damon, Josh Brolin e Hailee Steinfeld.

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