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Delito de Opinião

Presidenciais (10)

Pedro Correia, 29.12.10

 

 

Debate Cavaco Silva-Manuel Alegre

 

Um Cavaco Silva surpreendentemente ao ataque, um Manuel Alegre excessivamente contido. Esta pode ser uma síntese daquele que foi - de longe - o melhor debate desta pré-campanha, há pouco transmitido pela RTP. Um debate que Cavaco conseguiu levar para o terreno que mais lhe interessava, o da estabilidade institucional como arma defensiva perante a actual crise económica, enquanto se mostrava muito agastado perante críticas antigas do seu antagonista, que o acusou de pretender destruir o estado social. Alegre pareceu perplexo com a táctica de Cavaco e perdeu preciosos minutos do frente-a-frente procurando justificar aquelas declarações, proferidas num tom que raras vezes associamos ao actual Presidente da República.

"Manuel Alegre acusou-me pelo menos 50 vezes de eu destruir o estado social. É uma afirmação falsa. Ele andou a enganar os portugueses", afirmou Cavaco, entrando ao ataque no estúdio da estação pública. Alegre tentou contra-atacar, mas o primeiro tema que lhe veio à mente não terá sido dos mais eficazes: "Eu teria dado uma resposta imediata à humilhação que o Presidente checo fez a Portugal na presença do Presidente da República [Cavaco Silva]. Foi uma situação embaraçosa. O Presidente da República devia ter respondido imediatamente."

O tiro fez ricochete. "Eu não actuarei, no domínio da representação externa, como sugere o candidato Manuel Alegre. Um Presidente que se metesse num avião para bater à porta da senhora Merkel ou de Sarkozy era um desprestígio para Portugal. Não nos levavam a sério. A política externa não se faz aos gritos na praça pública", retorquiu Cavaco.

Houve divergências claras entre os candidatos em quase todos os domínios. Alegre acusou Cavaco de ter falhado a anunciada "cooperação estratégica" com o Governo. O candidato apoiado pelo PSD e pelo CDS deu uma rápida volta à questão, não hesitando em colar-se ao Executivo socialista - aliás confirmando o que foi o essencial do seu percurso em Belém nos últimos cinco anos: "O Governo está a tomar medidas [contra a crise]. A prova disso é que aprovou um Orçamento do Estado, que prevê a redução do défice para 4,6% e está a colocar as finanças públicas numa situação sustentada" Deu-se aliás esta coisa espantosa: ouvir-se um Cavaco mais próximo de José Sócrates do que o seu antagonista. De resto, Alegre deixou claro: "Eu não me candidato para defender este Governo."

A minha maior perplexidade ocorreu, no entanto, quando Alegre trouxe para o debate a questão das alegadas escutas telefónicas do Governo no Palácio de Belém suscitada por colaboradores muito próximos de Cavaco no Verão de 2009 - aquele que foi, sem qualquer dúvida, o pior momento do mandato do actual Chefe do Estado. "Este caso pôs em causa a lealdade institucional", acusou o socialista. Cavaco fez como costuma quando uma questão o incomoda: não respondeu. Estranhamente, Alegre não deu sequência ao assunto, que morreu ali. Ele próprio, aliás, também ficou sem resposta quando a moderadora, Judite Sousa, lhe pediu uma apreciação sobre o Orçamento do Estado para 2011.

Houve alguma proposta original neste debate? Sim. E veio da boca de Alegre. Se for eleito, o candidato apoiado pelo PS e pelo BE convocará uns Estados Gerais da Justiça. "Para uma reflexão muito profunda sobre a justiça" em Portugal. Cavaco, por seu lado, fez uma revelação ao confessar ter manifestado "muitas dúvidas" sobre o decreto que nacionalizou o BPN, em 2008, e sobre a competência da actual administração deste banco. Alegre não chegou a incomodá-lo muito neste tema apesar de ter estado bem ao alertar para as situações de "promiscuidade entre política e negócios" e ao apontar sem rodeios que figuras como Dias Loureiro e Oliveira Costa "nasceram politicamente com Cavaco Silva".

Manuel Alegre precisava mais de uma vitória clara neste debate do que Cavaco. Para contrariar a convicção dominante - indiciada por todas as sondagens - que as presidenciais ficarão decididas logo à primeira volta, tal como aconteceu há cinco anos. Esse objectivo não foi conseguido. Por um motivo muito simples: Cavaco preparou-se melhor do que o socialista. Em política, estas coisas contam.

 

Vencedor: Cavaco Silva

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Frases do debate:

 

Alegre - Tenho uma visão mais aberta, mais tolerante e mais progressista em relação a determinados valores. A lei da interrupção voluntária da gravidez, a lei da paridade e a lei do divórcio, entre outras, representaram avanços civilizacionais.

Cavaco - Portugal depende muito do estrangeiro.

Alegre - Em política não há inevitáveis. Devemos resolver os nossos problemas com as nossas próprias forças.

Cavaco - Pode-nos faltar dinheiro para muita coisa. Mas não pode faltar dinheiro para situações de emergência social.

Alegre - [Oliveira Costa e Dias Loureiro] nasceram politicamente com Cavaco Silva.

Cavaco - Lamento que o candidato Manuel Alegre alimente uma campanha de insinuações e de intrigas.

Alegre - Não estou a insinuar coisíssima nenhuma. (...) Cavaco Silva confunde crítica política com insulto.

Cavaco - Este não é um tempo de fazer experiências, não é um tempo de aventuras. (...) Precisamos de soluções de segurança.

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A 'gaffe':

 

"O BPN já custou cinco mil milhões de contos."

Manuel Alegre, confundindo confundindo euros com escudos

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