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Delito de Opinião

Falemos então de coisas sérias

Sérgio de Almeida Correia, 20.11.10

A preocupação evidenciada por Paulo Portas é legítima. Com efeito, limitar os salários dos gestores públicos e, acrescento eu, dos gestores de empresas participadas pelo Estado, trata-se de uma questão fulcral do regime que importa ver discutida. Porém, só deverá sê-lo se houver seriedade por parte de todos aqueles que têm a obrigação de abordar esse assunto. Porque dificilmente haverá seriedade se a questão se colocar nos termos demagógicos, oportunistas e populistas em que o registo do CDS/PP continua sintonizado. 

Eu também posso facilmente concluir que o presidente de uma empresa que cronicamente apresenta défices de milhões não deveria ganhar mais do que o presidente dos Estados Unidos da América. Mas esta é apenas uma das muitas faces do problema. 

Como temos visto, e sentido na pele, o mercado não é tão elástico, nem suficientemente estúpido, que permita todo o tipo de desvarios sem que daí resultem consequências mais ou menos gravosas para o tecido social e económico.

A proposta de Paulo Portas faz evidentemente sentido se se estiver disposto a analisá-la no quadro do regime.

Eu explico-me: todos se queixam, na maior parte dos casos com razão, do baixo nível dos nossos políticos. Baixo nível quer por comparação com os padrões que tínhamos há 35 anos, quer por comparação com aquilo que o País é capaz de produzir actualmente noutras áreas da vida pública: universidades, artes plásticas, investigação científica, literatura, música, por exemplo. E mesmo se olharmos para a área empresarial não faltam exemplos de quadros competentes, com perfil e capacidade para se imporem internacionalmente. O caso de António Horta Osório é apenas mais um exemplo recente.

Evidentemente que ninguém vê um Horta Osório, e eles não abundam por aí, a receber € 5 000,00 por mês à frente de uma empresa pública. Mas certamente que há mecanismos capazes de premiarem o mérito.

Pensar nas remunerações dos gestores e fazê-las descer a um patamar razoável e aceitável em termos sociais e políticos exige pensar nas remunerações dos políticos. Esta parte, também sei, já será menos popular para que Paulo Portas esteja disposto a abordá-la. De qualquer modo, não deverá deixar de ser discutida, ainda que num primeiro momento isso tenha riscos políticos e pouco possa trazer em termos de popularidade a quem se atrever a tal. 

Se todos, ou quase todos, estão dispostos a conceder que as remunerações dos políticos são baixas, então só há um caminho sério para subir o nível. Tornar mais interessantes os réditos que os políticos poderão auferir. A redução a metade do número de deputados é só uma sugestão a que os politólogos normalmente se opõem por causa da representação, mas talvez permitisse duplicar os seus vencimentos e tornar o lugar mais estimulante para os melhores que aos poucos se afastaram do parlamento e o deixaram nas mãos dos ignaros, uns mais velhos outros mais novos, saídos das juventudes partidárias dos partidos com representação parlamentar e que encontraram em S. Bento um emprego relativamente bem remunerado para as suas fraquíssimas hipóteses de obterem uma saída profissional, atentos os respectivos méritos e qualificações.

O Presidente da República ganha mal. Muito mal, digo eu. O mesmo acontece com o primeiro-ministro e os membros do Governo. E não quero discutir, pelo menos por agora, se ganham demasiado para aquilo que têm sido capazes de produzir. 

Acabar com as acumulações parece-me um caminho razoável, em particular neste tempo de crise, mas destituído de sentido útil, a médio e longo prazo, se não for equacionado o problema mais geral das remunerações dos políticos.

Tornar mais competitiva a política, a vida pública, implicará pagar melhor aos políticos, subir o nível, oferecer condições que motivem os melhores. É preciso levar essa competição para dentro dos partidos. Aquilo que é um salário aceitável e apetecível para um incompetente é uma má compensação para quem possua qualificações e méritos para ganhar 5, 10 ou 20 vezes mais fora dos partidos, que é como quem diz fora da política e sem dela depender. E como os santos são cada vez menos, poucos são os verdadeiramente bons que estão dispostos a fazer alguma coisa pelos outros a troco de uma compensação diminuta, ainda por cima tendo de aturar algumas cavalgaduras que amiúde surgem a mandar e, mais do que isso, a controlar de forma perfeitamente arbitrária - e tendo como único azimute do mérito a fidelidade canina aos dirigentes em funções - os aparelhos partidários e a ascensão interna dos seus quadros.  

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