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Delito de Opinião

O ovo da serpente

Pedro Correia, 10.11.10

 

Na segunda metade da década de 20, Portugal perdera virtualmente a soberania no capítulo económico. A bancarrota espreitava. À esquerda e à direita, reclamava-se "mão forte": era preciso aparecer alguém que pusesse as contas públicas em ordem. A república, que nascera entre fervores nacionalistas como reacção ao ultrajante ultimato inglês de 1890, conduzira o país a um vexame ainda maior: em 1926, Portugal vivia de empréstimos externos, já via fugir os créditos bancários internacionais e começava a depender da caridade alheia.

As condições estavam maduras para a entrada em cena de um jovem especialista em finanças, de pendor autoritário, catedrático da Universidade de Coimbra com manifesto desdém pelos jogos políticos lisboetas e pela balbúrdia do regime implantado década e meia antes. António de Oliveira Salazar tinha 37 anos quando chegou pela primeira vez ao Ministério das Finanças, no Terreiro do Paço. Demorou-se poucos dias: a ditadura militar não lhe dava as condições de mando que pretendia. Regressou dois anos mais tarde, numa situação de ainda maior penúria, e dessa vez demorou-se 40 anos exactos. A incompetência generalizada da classe política, tanto do 5 de Outubro como do imediato pós-28 de Maio, abriu caminho a esta longa ditadura unipessoal que começou por legitimar-se no domínio das finanças: a bancarrota foi evitada, as contas públicas ganharam equilíbrio e o défice deu lugar em poucos anos a um surpreendente superavit. O resto da história sabemos qual foi.

 

Lembrei-me hoje de tudo isto ao ouvir num café, em voz bem alta, a conversa de dois homens na casa dos 30 anos.

- Eu não vivi no tempo do Salazar. Certo que era uma ditadura e havia a PIDE, mas ouço dizer que nessa altura tínhamos boa azeitona, boa agricultura, tudo - dizia um.

- Cambada de chulos - reclamava outro, referindo-se aos políticos actuais, alguns dos quais mencionando-os pelos nomes.

Pela conversa, um e outro pareciam desempregados: o diálogo de café deve ajudá-los a combater o tédio dos dias sem perspectiva de futuro. Ouço esta e muitas outras conversas do nosso quotidiano quando está quase à porta 2011, um ano que todos antevemos como pior do que este já foi, e questiono-me sobre o ovo da serpente que a incompetência dos políticos actuais está a germinar.

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