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Delito de Opinião

Convidado: JOÃO CAETANO DIAS

Pedro Correia, 10.11.10

 

Os Overheads

 

No início da década, conheci uma empresa pública que competia no seu ramo de actividade com várias empresas privadas. Nesses tempos, a líder do sector, privada, tinha uma estrutura central com cerca de 20 pessoas, directores, administrativos, secretárias e tudo o resto incluído. Na empresa pública só directores eram os mesmos 20. A situação foi muito bem descrita por um consultor que por lá passou: 'Nunca vi tão pouca empresa para tantos overheads’.

No organigrama, descrito no seu próprio relatório anual, via-se um departamento de apoio psicológico para ajudar os trabalhadores stressados a ultrapassar os maus momentos e uma direcção de responsabilidade social. Apesar da simplicidade operativa própria do sector de actividade, tinham dividido as operações em três direcções independentes. Apesar de trabalharem exclusivamente no mercado nacional, tinham um responsável pelas relações internacionais. Ao todo eram duas dezenas de directores, duas dezenas de carros, duas dezenas de gabinetes em zona nobre da cidade, duas dezenas de cartões de crédito e mais uma dúzia de secretárias – modestamente, repartiam-nas. 

De onde vinha a experiência e a capacidade de gestão da maioria destes ‘overheads’? Dos partidos, segundo uma qualquer variante do método de Hondt autárquico/parlamentar. A experiência profissional da maior parte do elenco directivo era risível. Havia sociólogos, filósofos e historiadores com responsabilidades financeiras, operacionais ou de marketing. Antigas secretárias de políticos dirigiam departamentos de imagem. Um ou outro, mais competentes, diluíam-se no meio de tanta mediocridade.

A inexistência de uma cultura empresarial sólida reflectia-se numa manifesta desorganização que saltava à vista para qualquer cliente ou fornecedor. Os prejuízos eram tremendos, pagos pelos contribuintes, mas os ‘overheads’ não eram capazes de compreender a razão do insucesso. Culpavam a legislação, a concorrência, as dificuldades administrativas adicionais por força de serem obrigados a níveis adicionais de transparência. E também culpavam o mercado que lhes parecia repleto de falhas, de incompreensão e de imaturidade. Onde não encontravam qualquer responsabilidade era na sua própria estrutura. A incapacidade de introspecção era absoluta, excepto quando apontavam o dedo ou denunciavam em surdina algum colega de direcção que vinha de um outro partido.

 

Assim é, também, o estado.

 

A brutal estrutura da administração pública funciona como um pesado ‘overhead’ para a nossa economia. A margem bruta da actividade real das pessoas e das empresas nunca chega para pagar esta desmesurada administração. E, tal como na empresa pública, os nossos incompetentes governantes que tiveram origem nos partidos atiram as culpas para o mundo sem serem capazes de compreender o pesadelo que criaram.

Para os ‘overheads’, a culpa é dos mercados, essa figura mítica que não quer dar dinheiro aos nossos governantes para que eles possam continuar a alimentar o monstro.

Para os ‘overheads’ a culpa é também dos empresários. Apesar de exauridos por uma violenta pressão fiscal e por uma demente actividade regulamentária, os empresários deveriam ser menos incompetentes para criar muita riqueza para que o governo possa gastar mais, sem constrangimentos.

Para os ‘overheads’, a culpa é dos bancos porque estão à rasca e não emprestam dinheiro suficiente e logo terá que se avançar via extorsão – pedem mais uma taxa.

Para os ‘overheads’, a culpa é dos países que não compram os nossos produtos – ah, esses alemães pouco solidários.

Para os ‘overheads’, a culpa é também dos que avisaram para as consequências óbvias da continuada desbunda estatista. Esses são profetas da desgraça, velhos de Restelo, catastrofistas intratáveis.

 

Não tenhamos ilusões. Nenhuma solução, nenhum orçamento, nenhum projecto de país terá sucesso  sem racionalizarmos esta paquidérmica super-estrutura que nos atrapalha a vida, assalta as carteiras, esmaga a criatividade, pune o sucesso e promove a vulgaridade. Os que não partem são esfolados porque os overheads querem sempre, sempre, sempre mais.

 

Livremo-nos desta gente e talvez Portugal avance. Não será fácil.

 

João Caetano Dias

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