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Delito de Opinião

Convidado: LUÍS SERPA

Pedro Correia, 17.08.10

 

À rola

 

Estou parado no mar. Não há sopro de vento. A superfície da água, lisa como algumas vidas, esconde poderosas correntes que me puxam em todas as direcções, como um osso disputado por cães selvagens. O barco hesita para um lado, e logo uma força contraditória o leva para outro, sem fim.

A falta de vento é pior do que o excesso dele; qualquer navegador vo-lo dirá. Há várias maneiras diferentes de estar parado no mar: à deriva, quando a paragem é involuntária; a pairar, caso contrário; à rola (pronuncia-se com o “ó” aberto: rola. Às vezes acrescenta-se-lhe “do mar”: à rola do mar). À rola é à deriva; pode aplicar-se a um objecto: uma bola à rola, por exemplo, ou um remo, caído da forqueta onde um remador imprevidente o deixou.

Não me interessa se são diferentes: levam todas ao mesmo. Parado no meio de um mar imóvel – ou melhor, do qual os movimentos são invisíveis. Pouco importa que esteja à deriva, ou à rola, ou a pairar. O resultado é o mesmo.

 

 

O mar cobre-se de vegetação. É um pântano. Entre os troncos de árvores, dos quais só os topos emergem, quase imperceptíveis, passeiam-se enormes caravelas portuguesas – portuguese man-of-war. Podem ser mortais. Há que evitá-las: os seus longos tentáculos não saem da água, é certo. Mas como saber se tenho realmente um casco entre mim e esta aterradora sopa esverdeada?

Em todos os portos a água é densa, cinzenta, oleosa, suja. Mas não estou num porto, infelizmente. Era onde queria estar. Um qualquer. Não estou. As árvores desapareceram; as caravelas portuguesas vêem-se muito melhor; belas, no seu mortífero esplendor. Andam de um lado para o outro como se tivessem moto próprio. As correntes que me disputam e as arrastam continuam tão fortes como antes, escondidas da vista por esta superfície lisa, infinita. O sol escalda. À rola. A pairar. À deriva. Pergunto-me se estou preparado para quando o vento chegar. Não estou.

 

Navegar é prever. Penso “quem não vê não prevê”; mas eu vejo: o sol, a água, a ausência de vento, as caravelas portuguesas, um corvo que tenta comer uma delas e cai fulminado. De onde saiu o corvo? Enganou-se de história, suponho.

 

Luís Serpa

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