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Delito de Opinião

Diário semifictício de insignificâncias (36)

José António Abreu, 31.01.18

Nas últimas semanas tem sido um fartote de gripes à minha volta. Fui apanhado por uma (acho estranho que se diga que nós é que as apanhamos), mas bastante ligeira, o que me deixou satisfeito (gosto quando a minha resiliência me surpreende pela positiva). Agora dizem que o pior já passou. Até ao próximo Inverno, certamente, porque os vírus estão cada vez mais evoluídos e os humanos cada vez mais susceptíveis. Basta constatar a facilidade com que se ofendem. 

Quando alguém espirra perto de mim, digo «Santinho». Toda a gente no Porto diz «Viva». Ou «Biba», dependendo da zona onde cresceu. Noutros pontos do país dizem «Saúde». Gosto mais de «Santinho», apesar da conotação com doenças outrora mortais. É mais incongruente. Como os próprios espirros.

E a propósito. Sem surpresa, os meus olhos preferidos pertencem a uma mulher. De um momento para o outro, o meu cérebro nem consegue pensar nuns olhos masculinos dignos de registo. Os do Paul Newman, talvez, que hoje em dia já devem ter perdido grande parte do encanto. Naturalmente, o meu sorriso favorito também é de uma mulher. Há dezenas deles em dezenas delas, para ser sincero. Sorrisos que fazem com que me apaixone durante dez segundos, dez minutos, dez dias. Com vozes, é mais difícil. Tenho - e ouço - mais música cantada por mulheres do que por homens, o que há-de significar alguma coisa, mas certas vozes femininas são instrumentos de tortura que deviam estar cobertos pelas convenções aplicáveis. Os meus risos preferidos voltam a pertencer a mulheres - e ao Ricky Gervais. Contudo, se pensasse no assunto, teria que classificar como meu favorito o espirro de um homem. L., lá do emprego. Tem mais ou menos a minha idade e um espirro by the book. Composto, sereno, sonicamente irrepreensível. A exacta tradução de um balão de banda desenhada: «Atchim!» Tão diferente do meu, espalhafatoso e anárquico.

Mas não penso nisso, claro. Ninguém pensa.

Acima dos restantes cidadãos

Pedro Correia, 31.01.18

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O magistrado que sonhou ser presidente do Benfica disse um dia que "os juízes são a classe menos confiável em Portugal" .

Talvez esteja certo, atendendo a que ele próprio ascendeu a desembargador, com assento garantido na Relação de Lisboa. E consta que esteve quase a entrar no Supremo Tribunal.

Profundamente errado é um juiz não poder ser detido preventivamente excepto se for surpreendido em flagrante delito, ao abrigo de uma anacrónica norma do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

«Os magistrados judiciais não podem ser presos ou detidos antes de ser proferido despacho que designe dia para julgamento relativamente a acusação contra si deduzida, salvo em flagrante delito por crime punível com pena de prisão superior a três anos»,  prescreve o artigo 16.º do referido estatuto.

Em evidente colisão com o direito à igualdade perante a lei consagrado na Constituição da República - princípio tantas vezes invocado e louvado pela ministra da Justiça nas suas brilhantes dissertações.

O saber é aquilo que não se esquece

Alexandre Guerra, 30.01.18

É com bastante entusiasmo que estou a ler o último livro de Jaime Nogueira Pinto, Bárbaros e Iluminados (D. Quixote). Algumas das passagens relembram-me as aulas dadas pelo autor numa das cadeiras do meu curso de Relações Internacionais, na segunda metade dos anos 90. Ao contrário de muitos dos meus colegas da altura – mais interessados em fazer “ditados” do que era dito –, provavelmente, eu era dos poucos que via naquelas aulas uma fonte de verdadeiro conhecimento, o saber que não esquecemos e que nos ajuda a perceber as forças dinâmicas da História e a antecipar algumas das imprevisibilidades do sistema internacional. Jaime Nogueira Pinto nunca foi do estilo professoral e dizia sempre, para aqueles que estavam mais obcecados em fazer “sebentas”, que datas e conteúdos factuais podiam ser encontrados num qualquer manual. O importante era perceber as motivações dos actores da História e saber interpretar as consequências das suas acções. Neste aspecto, Jaime Nogueira Pinto preferia ter como ponto de partida as histórias e estórias da História para depois lhes dar o devido enquadramento político e ideológico.

 

Foi nestas aulas que comecei a interessar-me seriamente pela relação íntima entre a dimensão literária de Dostoievsky (e outros) e o movimento histórico subsequente. Comecei a entender a obra deste escritor de outra maneira, vendo nela uma amostra sociológica de uma Rússia aburguesada e intelectual asfixiada pelo regime czarista e ansiosa por um admirável mundo novo. Escreve Jaime Nogueira Pinto que “não era de estranhar que as novas gerações intelectuais e técnicas, oriundas das classes médias e da burocracia estatal […]” se atirariam para os “braços dos grupos revolucionários”. Em romances como O Idiota, Os Irmãos Karamazov ou Os Demónios, “Dostoievsky antevira o tipo de pessoas em que [esses burgueses] se transformariam”. Apesar dessa ânsia de mudança, Dostoievsky nunca teve dúvidas quanto aos “riscos do moralismo e do construtivismo utópicos dos intelectuais, fundamentados numa versão optimista da condição humana”. Pelo contrário, toda a literatura de Dostoivesky é marcada pela imperfeição humana, pelo conflito, pela injustiça. O mundo idílico dos utopistas para uma nova Rússia não cabia na visão de Dostoievsky e, para mim, depois daquelas aulas, isso passou a ser tão evidente nos textos daquele escritor.

 

Neste processo revolucionário, Jaime Nogueira Pinto volta ao incontornável Yevgeny Zamyatin, um autor de que ouvi falar pela primeira vez precisamente nas suas aulas. Desde então tornou-se uma espécie de referência bibliográfica em livros ou textos que escrevo. Talvez pela irreverência própria da juventude, Zamyatin tinha o sonho de mudar a sociedade russa, à semelhança de qualquer revolucionário que se prezasse, no entanto, o seu “ímpeto foi decrescendo à medida que crescia a propensão autoritária e controladora do Partido Comunista e a censura das Letras e das Artes”. De eufórico revolucionário, Zamyatin passou a um dos mais críticos do regime de Estaline, tendo sido preso e, mais tarde, com a ajuda dos bons ofícios de Gorky junto de Estaline, conseguiu exilar-se em França. Sem ilusões quanto ao carácter virtuoso da nova sociedade e do “novo homem” soviético, em 1920 publica “a primeira obra utópica, depois da implantação da utopia”. Nós é um livro fascinante, que conta a história, num futuro muito distante, de uma sociedade perfeita, orientada por um Estado único, onde tudo é eficaz e as pessoas vivem felizes. O único problema é que esse poder organizativo é totalitário e tudo assenta numa aparente ilusão e numa “alteração forçada da condição humana”, tal como aconteceu com o bolchevismo nos primeiros anos.

 

Desde as aulas de Jaime Nogueira Pinto, nunca mais esqueci a importância de Zamyatin na tradição literária da “distopia política” do século XX. E, sobretudo, aprendi a olhar para algumas obras, não apenas como ferramentas de enquandramento social e político de fenómenos do sistema internacional, mas também como elementos prospectivos daquilo que possa estar para vir.

Quadratura do círculo

Pedro Correia, 30.01.18

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Ódio velho não cansa. José Pacheco Pereira - o tal que se gaba de nunca criticar quem sai de cena ou está na mó de baixo - atirou-se pela enésima vez a Passos Coelho, na Quadratura do Círculo. À falta de pretextos actuais, pela irrepreensível conduta do líder cessante no processo de transferência de poderes em curso no PSD, regressou ao passado.

"Se há partido que precisa de uma discussão interna profunda e discussão sem tabus é o PSD. Mas outra coisa é a organização de fracções e a organização de grupos que se destinam a manter uma tendência ou a manter relações de liderança alternativa. Isso seria péssimo. Se olharmos para a experiência do passado, foi o que Passos Coelho fez, por exemplo, com Manuela Ferreira Leite", arengou Pacheco na Quadratura de 18 de Janeiro. Levando o insuspeito Jorge Coelho, com impecável memória, a contestá-lo: "Que eu me lembre, quem correu de deputado com Pedro Passos Coelho foi a liderança de Manuela Ferreira Leite. Eu nunca vi isto em partido nenhum."

Pacheco, um dos ideólogos dessa vergonhosa escovadela no PSD prévia às legislativas de 2009 que contribuiu para a segunda vitória eleitoral de José Sócrates, foi incapaz de dar réplica ao ex-ministro socialista sobre este dado factual. Preferindo saudar o putativo regresso ao partido de um ex-secretário-geral que andou todos estes anos a apelar publicamente ao voto noutras forças políticas antes de ressurgir como apoiante de Rui Rio. "Vejo, com certeza, com bons olhos o regresso de António Capucho ao partido. É um social-democrata de toda a vida", alegrou-se no mesmo programa.

Recapitulemos: "manter uma tendência" interna é péssimo, mas aceitar no PSD quem apelou a votar PS com António José Seguro nas europeias de 2014 e com António Costa nas legislativas de 2015 é excelente.

Uma verdadeira quadratura do círculo. Nada que deva espantar seja quem for.

Convidado: ANTÓNIO CABRAL

Pedro Correia, 30.01.18

 

A história não se repete! Não?

E a infelicidade das pessoas e dos povos?

 

Tenho as minhas dúvidas de que a história não se repita, aqui e acolá. Tenho dúvidas que, em certas sociedades, determinados traços, determinados “fados” não se prolonguem por séculos, ainda que com matizes ligeiramente diferentes. Não se repetirão a papel químico certas situações, mas temo que, tendências, um certo fio condutor, sim, se repitam. 

Olho para os últimos 35 anos e vejo, não só muito do que não devia ter acontecido, como sinais crescentes de inquietação. 

Globalmente estou satisfeito com o regime. É o regime que perfilho. 

Estou feliz? Pessoal e egoisticamente sim, olhando para o que tem sido a minha vida, directa, familiar, profissional, de reformado. Agradeço o que a vida me tem dado.

Mas, enquanto concidadão, muito preocupado com o futuro.

Em resposta a um honroso convite de Pedro Correia, no meio de atribulações familiares diversas, levei alguns dias a pensar que texto poderia submeter à consideração do DELITO DE OPINIÃO.

Resolvi dar uma olhadela a algumas fases do nosso passado e fixei-me particularmente em pequenos episódios de um período de 200 anos, a começar em 1700. 

 

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 Terreiro do Paço, durante o reinado de D. João V

 


1700 - chegada às minas do Brasil dos colectores de impostos
1701 - decreto sobre a mendicidade
1706 - aumento de impostos por D. João V (reinou a partir de 9 de Dezembro)
1708 - entra no Tejo frota do Brasil, com carga avaliada em 54 milhões de cruzados: ouro, diamantes, etc
1708 - fome generalizada a todo o reino
1712 - os procuradores dos mesteres apresentam à Câmara de Lisboa um quadro negro da situação económica e financeira do País
1712 - entra no Tejo frota do Brasil, com carga estimada em 50 milhões de cruzados
1720 - exploração de jazidas de ouro na Baía e em Mato Grosso
1734 - descobertas novas jazidas de ouro em Mato Grosso
1753 - alvará estabelecendo monopólio régio para os diamantes do Brasil
1763 - grave crise económica, prolongando-se até 1770
1793 - lei visando o estabelecimento de um cadastro do País
1796 - alvará lançando empréstimo de 10 milhões de cruzados ao juro de de 5%
1797 - alvará lançando empréstimo de 12 milhões de cruzados ao juro de de 6%
1801 - novo empréstimo de 12 milhões de cruzados, constante de 20 000 acções de 240 reis cada
1834 - lei da liberdade de imprensa
1834 - prolongando-se até 1836, uma gravíssima situação das finanças públicas
1891 - lei aprovando contrato de trabalho de 25 de Fevereiro, garantindo a jornada de 8 horas, e fixando tarifa de salários mínimos
1892 - situação de quase bancarrota
1893 - Março: decreto sobre a criação de bolsas de trabalho
1894 - 14 Março: decreto sobre a mendicidade
1898 - Outubro: decreto sobre segurança e higiene no trabalho
1899 - 23 Março: decreto sobre a mendicidade
1900 - José Bento Ferreira de Almeida, antigo ministro da Marinha e do Ultramar, discursa na Câmara dos Deputados, defendendo a venda das colónias (excepto Angola e S.Tomé e Príncipe), para com cujo produto se poder pagar a dívida externa e fomentar o desenvolvimento do País.

 

Como porventura menos desconhecidas, deixei de parte as tropelias praticadas pelas elites a partir de 1900 até hoje, e assim os diversos e diferentes sobressaltos por que foi passando a sociedade portuguesa, em consequência da irresponsabilidade/ incompetência/ corrupção/ desleixo/ ausência de sentido de Estado, dessas mesmas elites.

O retrato supra sugere, creio eu, um povo que basicamente sempre foi um tanto desgraçado, e elites a viver no fausto ao sabor do que era a história na Europa e um pouco por toda a parte. 


Elites que, parece, pouco terão cuidado da segurança e do bem estar dos seus concidadãos, e do seu desenvolvimento.
Mendicidade constante, fome e pobreza, atraso, finanças públicas variadíssimas vezes em situação atroz, empréstimos e calotes, sumptuária para uns poucos.
No final do século XIX terão existido tentativas para alterar um pouco a sociedade nos planos do trabalho, da comunicação social, das finanças públicas. 
Mas quase tudo, depois de bem espremido, tendo dado sempre em pouco. 
Por isso, creio, o Portugal que se encontrou em 1900 e daí a 1926, e depois até 1969/74. 
Bastante miséria, desemprego, analfabetismo, provincianismo, muitas doenças, elevada mortalidade infantil, muito atraso. 
O problema das colónias/ Ultramar/ províncias esteve periodicamente em cima da mesa, com pouca, nenhuma, ou muita atenção, consoante as épocas e aflições internas, e os ventos da história mundial. Parece que houve quem, de vez em quando, olhasse para elas, como um activo a despachar para compensar dificuldades do Estado.

 

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 Fábrica portuguesa do final do século XIX

 


A história não se repete?
Quando nos nossos dias se olha à mentira constante, ao ludíbrio, ao equilibrismo faccioso, ao assalto da coisa pública, aos resultados concretos do sistema de justiça, à hipocrisia, à bajulação, qualquer cidadão médio deveria interrogar-se se, de facto, estamos no bom caminho, se temos tido anos saborosos, para usar uma recente e infeliz expressão do actual titular do cargo de Primeiro-Ministro (infeliz, ainda que bem se perceba que estaria a pensar na vertente económica e financeira). 

Muitos afirmam que a política é a arte do possível. Será. Mas no caso português, salvo melhor opinião, há décadas, talvez mesmo pelo menos há século e meio, que se devia ter procurado atingir objectivos talvez considerados impossíveis. Tentaram? Outros o foram fazendo lá fora, com a tal arte do possível.
Quando olho para a nossa história, em particular de 1700 para cá, fica-me sempre a triste sensação de que a política em Portugal sempre foi prosseguida no interesse de uns quantos, poucos. Na monarquia e sobretudo os vários séquitos à sua volta, as facções na I República, as convulsões e os garrotes na II República de Salazar e depois Marcelo e, em alguma medida, de 74 até aos nossos dias.
Não somos Dinamarca, Suécia ou Noruega. Somos Portugal, somos Portugueses.
Vejo a esmagadora maioria dos meus concidadãos amorfos, acomodando-se, deixando-se facilmente iludir. E preocupo-me muito.
Por exemplo, e um só, quanto à questão da dívida, nunca se diz com rigor aos portugueses o que vem acontecendo com a dívida bruta e com a dívida líquida. Há diferenças importantes. 
Mente-se, dissimula-se. 
A realidade é que estamos entalados, encalacrados até ao tutano, mas jogam todos com as famosas expectativas. Festeja-se a melhoria das notações das várias agências, dizem que já não “somos lixo”. Mas o que mudou de facto, a sério?
Vejo um mau “teatro".

 

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 Sala das sessões da Assembleia da República



Se Portugal fosse um País a sério, num tribunal e num mesmo processo, não se tratava um cidadão pela categoria profissional, e outro cidadão pelo primeiro nome.
Se Portugal fosse um País a sério, não aconteceriam actos de pura e pornográfica propaganda política, como o que se foi passando com o INFARMED, como o que se passou com a eleição de Mário Centeno para o Eurogrupo, como o que se passou com os Magalhães na Madeira em 2009, ou com os cofres cheios.
Se Portugal fosse um País a sério, o que se passou em Tancos estava completamente apurado e já tinha doído a muita gente; mas o que se verifica é uma farsa completa com ou sem murros no estômago.
Se Portugal fosse um País a sério, não se assistiria a este espectáculo de uma qualquer instituição se dar ao luxo de não entregar documentação aos parlamentares, ou, outro caso, classificar documentação de forma a impedir o seu escrutínio.
Se Portugal fosse um País a sério, os carros com agentes de forças de segurança ao passar nas rotundas cheias de carros a dizer “Trata…” paravam, e iam tratar do assunto, pois é tudo contra a lei; mas não, olham e vão embora, sob as risadas dos habituais farsantes que vivem dessas e de outras coisas.
Se Portugal fosse um País a sério, não se passava o que semanalmente se vê no âmbito do futebol e concretamente quanto a claques.
Se Portugal fosse um País a sério, um ministro com a tutela do desporto não diria “se o mundo do futebol e a sociedade quiserem, o governo pode intervir...”
Se Portugal fosse um País a sério, o sistema eleitoral já há muito que estava alterado, com maior participação de cidadãos, com lei eleitoral modificada.
Se Portugal fosse um País a sério, o sistema de justiça já teria sido melhorado, acabando-se designadamente com as inacreditáveis delongas que a lei actual permite, por exemplo, desde a questão das testemunhas, a prazos. 
Se Portugal fosse um País a sério, a questão “sair do euro?” seria debatida com muita serenidade, com verdade, sem exaltações, e muito detalhadamente, e designadamente explicando nas TV’s e nos jornais o que aconteceria aos depósitos e dinheiro das pessoas no dia seguinte à saída.
Se Portugal fosse um País a sério, não teríamos quase ninguém a dar crédito a um agente político que negoceia memorandos de entendimento e depois declara candidamente nada ter a ver com determinado assunto.
Se Portugal fosse um País a sério, não teríamos a comunicação social actual.
Se Portugal fosse um País a sério, não se continuaria a aceitar esta pouca vergonha dos desastres aparatosos com camiões, esteja a chover ou a fazer sol.
Se Portugal fosse um País a sério, não teríamos tristes espectáculos partidários como recentemente mais uma vez se viu. 
Se Portugal fosse um País a sério, há muito que o papel das forças armadas estava bem definido, e as forças armadas dimensionadas adequadamente.
Se Portugal fosse um País a sério, tinha repatriado para a parte continental os restos mortais dos portugueses que tombaram em combate (antes de 1974); depois desta data, tinha estabelecido acordos com os novos países africanos, para repatriar os restos mortais dos que morreram por Portugal e continuam sepultados em África.

Portugal, País a sério, a meu ver só o será:

  • se a sociedade for de facto democrática e madura;
  • se colocar de lado certas exaltações e clubites partidárias;
  • se se afirmar claramente como um estado de direito, em que de facto se lute por diminuir as desigualdades enormes que persistem e que em alguns casos se agravaram;
  • se, porque somos todos da mesma massa mas não da mesma forma, todos sem excepções forem no dia a dia iguais perante a lei;
  • quando os órgãos de comunicação social desempenharem o papel decisivo que lhes compete na sociedade, sendo sedes de escrutínio independente, e não confundirem noticiar com opinar, derem notícia relevante do que se passa lá fora, e enfrentem os problemas nacionais; 
  • quando o poder legislativo estiver de facto na Assembleia da República e não em certas agremiações;
  • quando os titulares dos órgãos de soberania e chefias de demais orgãos e entidades, dirigentes de empresas públicas e privadas, e chefias em geral, TODOS, interiorizarem que estão em cargos temporariamente, para servir a sociedade e não servir-se.

 

Como sempre tenho escrito no meu blogue, como sempre defendi enquanto profissionalmente na vida activa, como sempre continuo a fazer, procuro ponderar, olhar à minha envolvente, formular opiniões. 
Tenho convicções, mas respeito as opiniões alheias. 
Assertivo, duro por vezes, não deixarei de ser. 
E vou tentando corrigir-me, minimizar defeitos. Assim respeitem as minhas opiniões.

 

 

António R. Cabral

(blogue CHAPÉUS HÁ MUITOS)

Em verdade vos digo

João Villalobos, 29.01.18

Esta é uma posição politicamente legítima. Qualquer pessoa é inocente até provado o contrário em julgamento. Poderia ter sido tomada antes de uma série de membros do Governo serem obrigados a sair, lá isso podia. Não o foi. Há pelos vistos governantes de primeira e governantes de segunda. Ou alguns que contam com "toda a confiança" do PM e outros que não. Ou então mais vale mudar a postura discursiva, antes que este Governo atinja números nunca vistos de demissionários por razões processuais. Desde que as agências de rating se estejam nas tintas, eu também estou. As verdades são para serem ditas.

Os comboios de Lula

Diogo Noivo, 29.01.18

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Quando confrontada com a natureza autoritária do fascismo italiano, ou com o carácter violento de Mussolini, uma parte da intelligentsia europeia a viver em Estados democráticos respondia “pelo menos os comboios andam a horas”. A inexistência de liberdades políticas, os fuzilamentos, o bombardeamento da Abissínia, os abusos e as arbitrariedades eram amnistiados pela eficiência das políticas públicas. Em boa verdade, a eficiência era normalmente o segundo argumento de defesa, sendo que o primeiro passava por evidenciar o amplo apoio popular do qual Il Duce gozava em Itália. Mais do que aplicar o entendimento simplista dos escritos de Maquiavel segundo o qual os fins justificam os meios, estas elites europeias recorriam aos méritos da governação e ao respaldo popular para ilibar Benito Mussolini e o regime por ele instituído.

Salvaguardadas as devidas distâncias, desde logo no que respeita à natureza dos regimes, algo de muito semelhante ocorre actualmente com o caso de Lula da Silva. De acordo com algumas elites europeias, Lula até pode ser corrupto, mas tirou mais de 20 milhões de pessoas da pobreza e lidera nas intenções de voto. Hoje como no passado a eficiência e o apoio popular oferecem um salvo-conduto. E, hoje como no passado, quem o oferece não se encontra sujeito ao sistema que indulta. Os princípios subordinam-se ao utilitarismo míope – louvam Lula por ter retirado 20 milhões da pobreza porque não entendem que a corrupção endémica no Brasil, na qual Lula participou, amarra muitos mais à miséria. Basta que alguém mude a cor do comboio, que lhe acrescente três ou quatro carruagens e que construa estações novas e modernas para que nos esqueçamos daquilo que importa: se o que é essencial é condenável, o comboio é irrelevante.

A nossa vida

Joana Nave, 29.01.18

Passamos a maior parte do nosso tempo a fazer coisas de que não gostamos. Trabalhos que não nos completam, um trânsito infernal, tarefas domésticas, e ainda temos de conviver com o cinismo dos que nos rodeiam, porque são seres amargurados pelas suas próprias vidas medíocres, e que encontram algum consolo em tornar a nossa vida num pequeno inferno. Para sair desta roda que gira enquanto o tempo passa é preciso, em primeiro lugar, entender que não somos o reflexo que vemos diariamente, que temos uma essência mais profunda, que anseia por uma existência justa, equilibrada e feliz. Temos de ir ao âmago do nosso ser e descobrir aquilo que nos caracteriza, o que realmente nos define, e que uma vez em marcha não dá lugar aos espaços mortos que tentamos preencher diariamente com os meros desabafos de uma vida miserável. Depois, é preciso ter coragem para mudar, para dar um basta ao que temos tido e ousar ter e ser mais. É um virar a página definitivo, escalar a montanha da nossa ousadia e, ao chegar ao topo, sentir a força do vento que nos faz fechar os olhos e inspirar o sopro da verdadeira mudança, da vida única para a qual fomos talhados, e sentirmos a liberdade de sermos nós próprios e isso bastar.

Guerrilha islâmica em Moçambique

jpt, 29.01.18

Guerrilheiros islâmicos em Moçambique. Partilhar isto - ainda para mais não conhecendo a origem das imagens, o que deixa em aberto a hipótese da sua encenação - é também um acto de divulgação e, como tal, um acto algo irresponsável. Assumo-o. Tirando esses meus pruridos: isto é o mais plausível. E o há muito temido, pois qualquer pessoa que conheça o país espera, e há já muito, a emergência de algo assim.

Em relação às grelhas analíticas dois princípios a afirmar já: 1) tenho visto os habituais negacionistas, a afirmar que isto nada tem a ver com o Islão. Mentem, por ingenuidade ou estratégia. Pois a história das religiões proselitistas (como o cristianismo e o islamismo) sempre se fez com a Palavra e a Arma (assim, com maiúsculas, para enfatizar a santidade da coisa). E a história do islamismo, logo após Maomé, sempre se fez com guerra (na nossa cristã história safou-nos Poitiers) - por mais que os sábios demagogos do nosso pérfido "ocidente" queiram resumir tudo à maldade das "Cruzadas" as "Crescentadas" foram uma constante. E a história das guerras entre facções intra-religiosas também (como as nossas guerras religiosas europeias tanto o demonstraram). Ou seja, "isto" também é o Islão.

2) Agitam-se os do "sociologês": atribuindo a responsabilidade (de facto, dizem-na "culpa") disto às malevolências do Estado ("a corrupção da Frelimo", agitam-se os do antigamente), à exclusão social, às assimetrias regionais, ao falhanço do modelo de desenvolvimento, etc. É o mesmo tipo de discurso que aponta a culpa dos estados europeus no terrorismo interno. De facto, esse sociologês vale nada: são "explicações" que tudo explicam (todos os fenómenos podem ser atribuídos a essas causas) e, como tal, em nada contribuem para a compreensão. E, em última análise, retiram a intencionalidade (o livre-arbítrio, os objectivos próprios, a racionalidade estratégica e utilitária) aos participantes. Pois, no afã de inculpar a perfídia ocidental (branca), o seu poder capitalista, e as suas sequelas pós-coloniais (em tempos ditas "burguesias compradoras"), são incapazes de verdadeiramente se libertarem do "eurocentrismo" que aparentam abominar mas que é o único eixo de pensamento que perseguem. Por isso menorizam as práticas e seus agentes. Infatilizam-nos. Barbarizam-nos. Dizendo que estes são o que são, perseguem o que perseguem, apenas porque desprovidos dos recursos económicos que desejam - "análises" que são apenas fruto um materialismo rasteiro, básico. Desvalorizador. E cego.

Em suma. Moçambique enfrenta guerrilheiros. Islâmicos, convictos, estrategas. Causados e com causas. A ver iremos no que isto dará. Lamentavelmente.

 

Sempre a somar

Pedro Correia, 28.01.18

Nos últimos cinco dias, registámos 24.020 visualizações aqui no DELITO DE OPINIÃO. Média: 4.804 visualizações diárias.

Prova inequívoca - mais uma - da atenção que os leitores nos manifestam. E da responsabilidade acrescida que isso nos traz.

Queremos continuar a retribuir-lhes, como merecem, ao longo de 2018 - o décimo ano de existência deste blogue. Que não é só de quem aqui escreve: é também de quem nos lê.

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