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Delito de Opinião

Sem rei nem roque

Diogo Noivo, 30.11.16

O Chefe de Estado espanhol, Filipe VI, discursou no parlamento português. No final da intervenção, houve aplausos de todos os deputados, menos na bancada do PCP, onde os parlamentares apenas se levantaram em sinal de respeito institucional. Os comunistas cumpriram o mínimo olímpico. A jogar num campeonato diferente, os deputados do Bloco de Esquerda permaneceram sentados. Nem aplausos nem cortesia. Nada.
A peça da SIC que deu nota deste episódio fala em evolução bloquista. E explicou porquê: por ocasião da visita oficial do anterior monarca espanhol, Juan Carlos I, os bloquistas não apareceram no hemiciclo; desta vez estavam lá. A jornalista da SIC vê nisto uma evolução.
Há dias, Fidel Castro mereceu todos os encómios possíveis por parte do Bloco, que nada disse sobre a sucessão de estilo dinástico entre Fidel e o seu irmão Raúl. Hoje, um Chefe de Estado vinculado a uma constituição democrática, que goza de um respaldo popular muito superior ao da constituição portuguesa, recebeu o tratamento político-institucional que se dá a um ditador. Julgo que a maioria dos democratas verão nisto uma fonte de vergonha alheia e até de algum asco. Mas a SIC vê uma evolução. Parece-me que para os lados de Carnaxide também há gente a limpar os pés às cortinas.

Conhecer D. Afonso Henriques.

Luís Menezes Leitão, 30.11.16

 

Leio aqui que "os reis de Espanha, Felipe VI e Letizia, estão em Portugal e foram recebidos com pompa e circunstância pelas altas entidades e pelo povo, em Guimarães, no Porto e em Lisboa. Na Cidade Invicta disputaram selfies com o Presidente da República, e Marcelo Rebelo de Sousa levou-os a conhecer D. Afonso Henriques". Calculo que D. Afonso Henriques, ainda jovial, apesar dos seus 907 anos de idade, actualmente a residir num Lar da Terceira Idade do Porto, se terá manifestado encantado em conhecer tão ilustres personagens. A pensar em retribuir a iniciativa, D. Felipe VI deve ter referido a Marcelo Rebelo de Sousa não ter a certeza se o primeiro Rei de Espanha, D. Pelayo, ainda era vivo, uma vez que já deveria andar pelos 1300 anos de idade, mas prometeu tudo fazer para o encontrar.

Sem grandes dramas

Alexandre Guerra, 30.11.16

A Itália é um país fascinante por diversas razões. Politicamente, sempre foi um laboratório para todo o tipo de experiências. Nos últimos 70 anos teve 63 governos, mas a verdade é que, com mais ou menos instabilidade, a Itália lá vai funcionando no seu estilo muito próprio e ao mesmo tempo sedutor e único. No Domingo, realiza-se um importante referendo sobre várias alterações constitucionais, as mais importantes desde a II GM, entre as quais a diminuição da relevância do Senado naquele sistema político. As sondagens indicam que o primeiro-ministro Matteo Renzi se arrisca a perder a votação, mas mesmo que isso aconteça, acredito que a Itália, com toda a sua classe e arte, olhará para todo este processo sem grandes dramas.

O Mundo Às Avessas

Francisca Prieto, 30.11.16

Há um par de anos, a Associação Italiana de Pessoas com Síndrome de Down produziu este filme, com jovens de toda a Europa, como resposta a uma carta que tinha recebido de uma futura mãe grávida, a quem tinham diagnosticado Trissomia 21 no feto.

Recentemente, a Alta Autoridade Para a Comunicação Social Francesa proibiu a passagem do filme por considerar que era ofensivo para mulheres que tivessem abortado bebés com Trissomia 21.

Este é talvez o filme mais realista que já vi sobre o assunto. Não doura a pílula, não diz que é fácil. Limita-se a dizer que ter um filho com Trissomia 21 não é o fim do mundo. E que, apesar das dificuldades, podemos hoje esperar que estas pessoas tenham vidas relativamente normais.

Não compreendo como é que num país onde se grita por toda a parte que se é Charlie, se censura um filme que mostra o lado bom da moeda de uma situação que parece a priori tão difícil.

Esta censura amordaça o direito dos jovens com Trissomia 21 de gritarem que são felizes. Diz-lhes que a sua felicidade pode magoar mulheres que tenham abortado pessoas como eles. Manda-os serem deficientes lá no cantinho deles, sem fazer muito estrilho.

Se isto não é o mundo virado ao contrário, vou ali e já venho.

 

 

 

A revolta do rebanho

Luís Naves, 29.11.16

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Um pouco por todo o Ocidente, alastram fenómenos de protesto eleitoral que podíamos definir como ‘voto puta-que-os-pariu’. Em consequência, no prazo de um ano, a Europa será um lugar muito diferente, com novas lideranças na maioria dos países, porventura à excepção da Alemanha, que foi o país que menos sofreu na pele os efeitos da grande recessão de 2008. Na União Europeia, está em curso uma revolução política ou, no mínimo, uma grande transformação nas maquinarias da sociedade.

 

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Os últimos 30 anos foram marcados pelo triunfo das ideias do liberalismo económico, que transformaram o poder, e pelas utopias forjadas no Maio de 68, que mudaram a cultura. Nos últimos oito anos vivemos a crise final deste ciclo, que foi marcado pela aceleração da globalização e por profundas mudanças no trabalho ou nos meios de comunicação. Os intelectuais excederam-se no duplo critério das suas interpretações da realidade: basta ver como recentemente o regime totalitário de Fidel Castro, que não deixa dúvidas ao mais desatento, foi envolvido no perfume de uma retórica romântica que ignorou a violência do poder e a miséria do povo cubano; nenhum dos que elogiaram os feitos de Fidel acharia tolerável viver mais do que uma semana em Cuba.

Nestes últimos trinta anos, no Ocidente, a educação foi infantilizada, banalizou-se a contestação primária de toda a autoridade, o cristianismo foi ridicularizado, a família perdeu importância e não há carreiras no poder mediático para alguém que conteste a bondade destas ideias.

Liberalismo económico e utopia libertária tiveram o mesmo efeito de fragmentação do poder. Por exemplo, as lideranças moles são hoje preferidas a líderes considerados ‘duros’; o consenso é elogiado, a ruptura criticada. Os mercados financeiros controlam a economia e é considerado normal que organizações supranacionais não-eleitas fiscalizem países inteiros; a palavra pátria desapareceu dos dicionários e a palavra nacionalista é um insulto. As elites intelectuais entretêm-se a fazer comparações absurdas com o tempo do fascismo e comunismo, e pensam hoje que as fronteiras são o maior perigo que existe no mundo contemporâneo. Os proletários vivem como precários, o pleno emprego foi substituído pelo desemprego crónico, as desigualdades aumentaram, há uma nova classe de excluídos, com menos direitos do que os refugiados que desembarcarem amanhã nas nossas costas.

 

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Muitos eleitores atingidos pela crise foram considerados ignorantes quando resmungaram contra o encerramento das suas fábricas ou quando foram expulsos das suas casas, por não poderem pagar hipotecas a bancos salvos com dinheiro público. Estes eleitores foram classificados como racistas e xenófobos quando acharam que a abertura de fronteiras facilitava a entrada de trabalhadores mais baratos, que competiam com os seus salários. Estes eleitores foram desprezados quando insistiram na defesa dos seus valores e tradições, que mais não eram do que tradições e valores que os seus pais e avós tinham como garantidos. Estes eleitores continuam a ser insultados quando votam nos movimentos ‘puta-que-os-pariu’ e vão continuar a votar em formas de protesto semelhantes, pelo menos enquanto mantiverem o direito de voto e os partidos tradicionais não compreenderem que o seu ressentimento e raiva resultam do vazio provocado pela desvalorização da classe média e a extrema insegurança que têm em relação ao futuro.

As elites trataram o seu ‘povo’ como um rebanho ingénuo que não pode decidir sobre assuntos já validados pelas classes bem-pensantes. E, no entanto, é evidente que as ideias libertárias e liberais não vão desaparecer, embora seja incompreensível que a sociedade não queira discutir racionalmente o sismo social em curso ou os erros que foram cometidos no ciclo político que agora encerra. Os comentadores dizem que vem aí o fim do mundo, que a democracia liberal vai acabar, mas o que seria verdadeiramente calamitoso era que a democracia não conseguisse mudar as lideranças que falharam ou que o sistema político fosse incapaz de reagir às imensas transformações que aconteceram e estão para acontecer nas nossas vidas.

Tristes tempos!

Luís Menezes Leitão, 29.11.16

Ainda sou do tempo em que na escola primária se ensinava a verdadeira tragédia nacional que foi o desastre de Alcácer-Quibir, que implicou que a Coroa de Portugal viesse a ser herdada dois anos mais tarde por Filipe II de Espanha. Seguiram-se 60 anos de decadência nacional, com Filipe III e Filipe IV, em que o país quase se converteu numa província espanhola. Só escapámos a esse destino graças ao heroísmo dos conjurados do 1º de Dezembro de 1640, que voltaram a colocar no trono um Rei português, D. João IV. Na altura ensinavam-nos na escola que por esse motivo é que celebrávamos o 1º de Dezembro, data da restauração da nossa independência.

 

Passados mais de 370 anos sobre essa data, tive ocasião de assistir à vergonha de ver um primeiro-ministro português decretar a abolição desse feriado. Este ano voltou a ser reinstituído mas, na véspera do mesmo, assiste-se à visita de outro Filipe, desta vez o VI, que pelos vistos a população do Porto entende que deve ser recebido com gritos de "Viva o Rei!", enchendo-se a cidade com bandeiras espanholas, como se estivéssemos em Madrid. Estou convencido de que nem em Barcelona ou em Vigo o Rei de Espanha seria recebido assim. Pelos vistos, há muita gente em Portugal que perdeu de vez, não só o orgulho nacional, como também a própria noção do ridículo. Tristes tempos, na verdade!

Penso rápido (80)

Pedro Correia, 29.11.16

As pessoas também são feitas de sentimentos. E devem expressá-los. Quase nunca isso acontece - a não ser tarde de mais.
Mas o caso do Diário de Notícias deve fazer-nos reflectir a todos muito para além dos sentimentos pessoais de cada um. Porque este caso demonstra exemplarmente como bastou decorrer década e meia - menos de uma geração - para se perceber como diminuiu drasticamente a capacidade de mobilização e a influência social dos jornalistas. Reflecte também como a sociedade no seu todo se tornou mais apática, conformista e resignada.
No início do século os que pensavam na vidinha e permaneceram de lado foram a excepção. Políticos, escritores, artistas, jornalistas. Houve mobilização geral para manter o DN na sua sede histórica, construída de raiz para o efeito com projecto de um dos mais célebres arquitectos portugueses de sempre.
Agora tudo aconteceu de forma envergonhada, quase clandestina, quase sem um protesto, quase sem uma palavra de indignação.
Em década e meia passámos a aceitar o inaceitável. Vale a pena voltar a isto, sim. Pelo seu carácter simbólico. E para que se perceba até que ponto regredimos enquanto comunidade solidária e com valores.
Não é pieguice nem choradinho, como alguns alegam. Eu prefiro chamar-lhe lucidez - uma lucidez perplexa e preocupada de quem se interroga onde estaremos daqui a outra década e meia.
E que faz questão de não ter a cabeça enterrada debaixo da areia.

Um país que mata os seus heróis

Pedro Correia, 28.11.16

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  Huber Matos (à direita) com Fidel Castro em 1959

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 Arnaldo Ochoa (à esquerda) com Fidel Castro em 1961

 

Nenhum ser humano bem formado se congratula com a morte de outro ser humano. Mas um democrata alegra-se sempre perante a expectativa de um fim próximo de um regime autocrático.

Na morte de Fidel Castro - que por ironia mencionou Cristo na sua última reflexão pública, difundida a 9 de Outubro - penso nos inúmeros perseguidos pela ditadura implantada há quase 58 anos em Cuba. Todos, ou quase, acreditaram nas promessas de liberdade, traídas pelo novo tirano que envelheceu no cargo sem nunca ter abdicado da menor parcela do seu poder absoluto.

 

Penso no general Arnaldo Ochoa, que foi o oficial mais graduado do exército, proclamado Herói da Revolução e líder das operações militares em Angola, de que Castro se serviu para a sua propaganda “internacionalista”: acusado de traição à pátria, foi detido em Junho de 1989 pela polícia política e condenado sumariamente à morte por um tribunal fantoche e logo executado, sem lhe ser reconhecido o direito a uma defesa minimamente justa.

Penso em Guillermo Cabrera Infante, um dos melhores escritores latino-americanos do século XX, forçado em 1965 a um exílio perpétuo que o levou a trocar o sol caribenho pelas brumas de Londres, onde sucumbiu de nostalgia, por ter ousado gerir com irreverência o Conselho Nacional de Cultura e o Instituto de Cinema nos primeiros anos da era pseudo-revolucionária.

Penso em Heberto Padilla, poeta encarcerado em 1971 pelo “crime” de pensar e escrever como um homem livre, atirado para os cárceres castristas na sequência de um recital de poesia em Havana considerado “subversivo” – ele que escreveu estes versos corajosos: “Muerte, / no te conoszco, / quieren cubrir mi patria / con tu nombre.”

Penso em Huber Matos, combatente na Sierra Maestra e revolucionário da primeira hora, o primeiro crítico da deriva autoritária do novo regime. “Es bueno recordar que los grandes hombres comienzam a declinar cuando dejan de ser justos”, escreveu ele numa desassombrada carta a Fidel Castro que em Outubro de 1959 lhe valeu 20 anos de prisão, seguido da expulsão de Cuba, onde nunca foi autorizado a regressar.

 

Penso em muitos outros cubanos, uns já desaparecidos outros ainda vivos mas condenados à morte cívica e ao banimento vitalício em sucessivas purgas promovidas pelas patrulhas ideológicas do castrismo ou vítimas dos anátemas políticos lançados pelo regime: Antón ArrufatArturo Sandoval, Bebo Valdés, Belkis Cuza Malé, Cachao López, Carlos Alberto Montaner, Carlos Franqui, Celia Cruz, Eliseo Alberto, Eloy Gutiérrez Menoyo, Gustavo Arcos, Jesús Díaz, Néstor AlmendrosNorberto Fuentes, Olga Guillot, Orlando Jiménez Leal, Paquito d' Rivera, Pedro Luis Boitel, Raúl Rivero, Reinaldo Arenas, Severo Sarduy, Virgilio Piñera, Willy Chirino, Zoe Valdés.

Sob a mão de ferro dos irmãos Castro, Cuba tornou-se um país que "mata os seus heróis", na definição lapidar de Cabrera Infante. País de suicidas e desterrados, onde a luz da esperança se foi tornando cada vez mais precária e vacilante.

França e o futuro da UE

José António Abreu, 28.11.16

nomeação de François Fillon como candidato do centro-direita às eleições presidenciais francesas abre perspectivas interessantes. Se, como tudo parece indicar, for ele a defrontar Marine Le Pen na segunda volta, não apenas a eleição de Le Pen ficará quase impossível (por muito que a faceta social-conservadora de Fillon desagrade à esquerda «progressista», ele constituirá sempre um mal menor) como, qualquer que seja o vencedor, ficam garantidas mudanças fundamentais na política francesa – e, por arrasto, na europeia. É sabido que uma vitória de Le Pen conduziria a França para fora do euro e da UE, provocando o colapso desta. Mas uma vitória de Fillon garantirá uma alteração fundamental no balanço de forças entre os países que defendem e aplicam reformas estruturais e os países que, na prática, se lhe opõem. Fillon defende cortes no Estado e uma economia baseada na iniciativa privada e nas exportações. Num país como França, não é líquido que consiga fazer tudo o que pretende. No mínimo, enfrentará enorme contestação dos grupos que se alimentam do Estado. Mas terá o peso da estagnação francesa a seu favor (muita gente sabe que algo tem de ser feito) e uma legitimidade dupla: a conferida pela eleições e a decorrente da clareza, verdadeiramente admirável, com que tem exposto as suas ideias. Ora uma França reformista (honestamente, parece um oxímoro) estará muito mais alinhada com a Alemanha e tornará a União Europeia muito menos condescendente para com países que preferem ir arrastando os pés. Convinha que estes se preparassem – para qualquer dos cenários.

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