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Delito de Opinião

Futebol como debate religioso

João André, 30.06.15

No futebol moderno é comum encontrar pessoas de dois lados de um argumento: a favor ou contra o tiki-taka. Quando ouço estas discussões fico frequentemente incomodado, porque a mesma demonstra o quanto a mesma demonstra o pouco que se sabe de futebol e da sua história. A discussão assume frequentemente proporções - e moldes - de debate religioso, típicos da discussão do Bem contra o Mal. Dependendo do lado onde cada pessoa está em relação ao tiki-taka, o Bem e o Mal assumem formas diferentes, mas os argumentos são frequentemente proselitistas ou de oposição à ideia adversária.
Este debate fica ainda mais inquinado quando se entra noutro aspecto: de que lado está a Razão. Esta discussão move-se para lá do aspecto estético (que depende do gosto de cada um) e passa para um suposto debate sobre a objectividade do futebol. Neste artigo no Financial Times, Simon Kuper (um jornalista inglês que cresceu na Holanda e é fascinado por tudo o que diga respeito à influência holandesa neste desporto) entre precisamente por este caminho. Cruijff, afirma, estava certo, por oposição aos ingleses, alemães ou brasileiros, que estavam errados.
Esta afirmação é apenas mais uma da hagiografia a Cruijff. É curioso que Kuper dedique um parágrafo a explicar como Cruijff já não é o seu herói apesar de escrever um texto que vai no sentido oposto. Faz quase lembrar as pessoas que abandonaram uma religião mas que continuam a viver a sua vida como se ela os orientasse. Comparativamente poderemos usar a ideologia: vejam-se os antigos trostkistas e maoístas portugueses. O texto pode ser um rejeitar da pessoa em si - qual o santo que não cai do pedestal se conhecido pessoalmente? - mas não o é da ideia. Kuper é um cruijffista e defende-o intensamente.
Só que, como referi acima, o texto é uma hagiografia. Muito bem escrita, mas tão redutora e tão baseada nas caricaturas de outros conceitos que distorce a realidade. Não é preciso recuar mais que a 1970 para saber que o Brasil sabia misturar perfeitamente a componente física e técnica (drible e passe) do jogo. Também assumir que os ingleses terão mais desejo que os brasileiros é esquecer estupidamente a famosa afirmação de Roberto Drummond: «Se houver uma camisa preta e branca pendurada no varal durante uma tempestade,o atleticano torce contra o vento» (que chegou a ser adaptada livremente para o brasileiro em relação a uma camisola do escrete). Todos os países têm a mesma componente de todos estes aspectos do futebol. E todos eles são fundamentais.
O problema desta discussão é assumir que o jogo baseado no passe começou com a Holanda do final dos anos 60 e teve o seu apogeu nas equipas do Barcelona de Guardiola. Esquece que este tipo de jogo teve já campeões muito antigos - os escoceses foram os primeiros a introduzir o passe em 1870, e austríacos nos anos 30, soviéticos em 1945 e húngaros em 1954 já tinham demonstrado os mesmos conceitos: passe e movimento. Aquilo que os holandeses nos anos 70 e espanhóis entre 2008 e 2012 fizeram foi não mais que explorar a mais antiga das tácticas: uma geração única associada a regras circunstancialmente mais favoráveis.
Pensar na Espanha recente (ou no Barcelona) é pensar nos seus principais intérpretes: Xavi e Iniesta. São jogadores únicos que, independentemente daquilo que a máquina de propaganda culé possa querer passar, não saem de uma linha de montagem made in La Masía. Associá-los a Messi, Busquets, Casillas, Ramos, Dani Alves, Fábregas, David Silva, Eto'o, Mascherano, etc, é uma oportunidade que não surge todas as décadas. É algo de único. As regras - ou a interpretação das mesmas - também ajuda: o futebol de Guardiola (como foi implementado pelo Barcelona) teria sido completamente ineficaz contra, por exemplo, o Milan de Sacchi de 1990 com as regras de então. Não só os jogadores eram autorizados a fazer entradas bem mais duras que hoje (algumas que não dariam falta então poderiam dar hoje vermelho) como a regra do fora de jogo estava definida de forma muito menos liberal.
O texto de Kuper, mais uma vez, concentra-se num momento circunstancial e temporalmente muito definido, distorcendo o passado (e o presente, ao invocar Luis Enrique e Mourinho) para vender uma imagem e fazer doutrina. É por isso que neste debate tenho duas posições, uma bem definida e outra fundamentalmente indefinida: sou definitivamente anti-cruijffista/barcelonista (mesmo quando gosto do estilo de jogo das "suas" equipas) e é-me indiferente o tiki-taka só por si, sendo mais fascinado pela táctica e interesse do jogo.
No final é mais que um debate sobre quem é bom e mau no jogo Barcelona-Inter de 2010. É uma questão de compreender que o jogo em si é fascinante, mesmo sem se tomar partido ideologicamente.

anda lá, vamos para casa

Patrícia Reis, 30.06.15

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Estás a ver alguma coisa? Não te preocupes, deve ser o camião do lixo. Ou outro carro. Estás a ouvir? Anda lá, despacha-te, está mais frio do que esperava, temos de ir para dentro. Estás a olhar para mim? Não, não me apetece andar mais, vamos voltar para casa. Não puxes a trela, espera aí. Não me puxes. Não aguento quando me puxam e passo o dia a sacudir essas violências. Anda, vamos para casa.

O debate sobre a Grécia

Luís Naves, 30.06.15

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É difícil escrever contra a corrente dominante e contra mitos instalados. Nos últimos dias, triunfou no discurso público uma interpretação da crise grega que torna quase impossível apresentar um ponto de vista alternativo: venceu a ideia falsa de que a Europa é um espaço anti-democrático em colapso, onde Portugal já não cabe; a crise em Atenas tem a ver com imposições tecnocráticas e ignorância política. Embora a teoria não resista a cinco segundos de análise, ela é hoje dominante nos meios de comunicação.

Em textos anteriores, tentei explicar que esta crise é política. A União Económica e Monetária (UEM) nasceu com uma falha de concepção e os resgates foram mal desenhados, num contexto de pânico financeiro que os tornou inflexíveis. Qual é a falha da UEM? A ausência de união política, o que se traduz no seguinte: o eleitor do país A não se pronuncia sobre o governo do país B e, no entanto, o governo do país B pode tomar decisões que prejudicam a prosperidade do eleitor do país A.

É este o caso da Grécia, onde o governo populista de esquerda quer sair da zona euro, mas culpando os europeus pelo resultado. Com a saída, o Syriza podia nacionalizar a banca e imprimir dinheiro, libertando-se de medidas impopulares que não tem condições para aplicar, como cortes nas pensões. As poupanças dos gregos serão destruídas, mas o Syriza é um partido da esquerda radical e não está interessado na classe média. Tsipras mentiu ao seu eleitorado sobre a saída da zona euro e precisa de um bode expiatório. O verdadeiro jogo é sobre a culpa.

Na Europa há também a intenção de tirar a Grécia da zona euro, embora não a de arcar com a responsabilidade. O incumprimento e a desvalorização da nova moeda permitiriam reestruturar a dívida grega e recuperar a economia, sobretudo se houver uma ajuda em larga escala. Em vez de uma agonia lenta e de um terceiro resgate que talvez não passe nos parlamentos, a Grécia podia ser colocada num programa temporário de recuperação, suspendendo a sua participação na UEM. Há outra vantagem: a saída (ou meia-saída) permite resolver de vez a falta de união política, pois quem fica sabe que a falta de disciplina orçamental terá a punição grave do eventual afastamento da UEM.

O debate nacional ignora tudo isto. Os mesmos que fazem previsões catastróficas sobre o futuro de Portugal na moeda única criticam de forma ácida qualquer declaração sobre as dificuldades de Atenas, como se Portugal não fosse uma democracia. Cada vez que o governo português se pronuncia sobre um assunto com potencial para nos afectar, surge logo um coro de indignação, que deviam estar calados ou que deviam apoiar Tsipras. E, no entanto, quanto mais conseguir destruir as minhas poupanças, melhor negócio terá a Grécia, embora o meu protesto seja visto como um atentado à democracia e àquela Europa mítica que nunca existiu e não existe.

As alternativas

José António Abreu, 30.06.15

Cada uma pode ter ligeiras cambiantes mas, na verdade, só há três vias de lidar com a acumulação de dívida na economia mundial e, em particular, na Europa.

 

1. Especular, especular, especular. Pode parecer contraditório, atendendo a que os seus representantes clamam frequentemente pela «regulação dos mercados», mas, de Tsipras a Galamba, passando por Krugman e Maduro, trata-se da opção preferida da esquerda. Injectar mais e mais dinheiro na economia através dos bancos centrais, da subida de salários e do crédito. Apostar no consumo. Em simultâneo, taxar mais a actividade empresarial, os «ricos» e o capital. Ignorar (apenas na prática; na retórica está bem presente) o carácter aberto da economia mundial. Esquecer os desequilíbrios existentes e o facto desta política os agravar.

 

2. Especular e reformar. Injectar dinheiro na economia mas em simultâneo exigir reformas tendentes a corrigir desequilíbrios e potenciar crescimentos futuros. É o caminho que a Europa tem tentado seguir (pendia para o lado das reformas antes de Draghi assumir a presidência do BCE, inclina-se hoje para o lado da especulação). Riscos? Desde logo, o político: os eleitores detestam reformas e tendem a voltar-se para os defensores da opção nº1. Depois, o inconveniente de todos as soluções que não são carne nem peixe: o compromisso entusiasma poucos e os resultados demoram a aparecer (até mesmo em versões mais radicais, como a japonesa). Finalmente, a circunstância de, em caso de falhanço, as consequências não serem substancialmente diferentes das da opção nº1: a bola de neve apenas cresce mais devagar.

 

3. Assumir perdas. Deixar de alimentar o monstro, permitindo a queda de quem tiver de cair: bancos, empresas, estados, particulares. Compreensivelmente, todos a recusam. Mas é uma inevitabilidade em caso de insucesso de qualquer das vias anteriores. Sendo que a queda será tão mais dolorosa quanto mais tempo se mantiver o esforço para a evitar.

 

Pessoalmente, acho a via nº1 suicidária e, em especial devido aos riscos de carácter político, tenho poucas esperanças na nº2 (veremos até que ponto o caso da Grécia servirá de «vacina» contra os populismos). Quanto à terceira, faço parte do imenso clube que prefere não pensar seriamente nela (de momento, deixo isso para os gregos).

Isto ainda agora começou.

Luís Menezes Leitão, 30.06.15

Esta entrevista de José Sócrates é um tiro mortal em António Costa, precisamente na pior altura, quando lhe começam a cair em cima os estilhaços da crise grega, depois do seu irresponsável apoio ao Syriza. Sócrates diz: "Não esperem de mim, em período pré-eleitoral, qualquer palavra que possa prejudicar a liderança do PS. Até porque me ficaria mal". Mas imediatamente a seguir responde à tentativa de António Costa de desligar o PS da sua prisão com uma frase lapidar: "É muito frequente ser difícil distinguir o discurso da responsabilidade do da covardia e da rendição". É assim evidente que Sócrates vai fazer António Costa pagar caro a sua tentativa de colocar o PS num assento etéreo acima de Sócrates. É por isso que Sócrates responde à pergunta sobre se a política para ele acabou com outra resposta elucidativa: "Isto ainda agora começou". Que não haja dúvidas a esse respeito.

Em Harare também não se reuniram porque se sair um ficam 18

Sérgio de Almeida Correia, 30.06.15

"Em quase todas as capitais da União — Lisboa foi a grande excepção —, os governos reuniram-se de urgência para avaliar o referendo anunciado por Tsipras na madrugada de sábado. Houve conselhos de ministros extraordinários, reuniões de chefes de Estado com os seus núcleos duros, encontros com os responsáveis dos respectivos bancos centrais ou até, no caso de Berlim, uma inédita reunião que juntou os líderes de todos os partidos com representação no Parlamento." - Sofia Lorena, Público, 30/06/2015, p. 2

Coisas que nunca mudam

Sérgio de Almeida Correia, 29.06.15

Não sei qual será o resultado da crise em que a Europa está mergulhada. Não sou bruxo. Como em qualquer ruptura, creio que há culpas de parte a parte. Uns porque prometeram o que não deviam, outros porque impõem o que não devem, esquecendo que se a Europa chegou ao beco em que se encontra isso se deve à distância em relação aos cidadãos e à intransigência em que assentou a construção daquilo que temos hoje. Um referendo nunca fez mal a ninguém. E parece-me fazer mais sentido perguntar aos cidadãos se querem agora o que não estava no contrato de governo, no programa eleitoral, do que apresentar-lhes como consumado aquilo que à partida rejeitaram e que quem os governa se comprometeu, demagogicamente ou não, a rejeitar.

É certo que, perante as circunstâncias em que a consulta terá lugar, a decisão que venha a ser tomada será tudo menos ponderada. As condições para a realização do referendo são sofríveis. Mas aí, como uma personagem de um filme que fez sucesso há uns anos dizia à sua paixão, parafraseando Faulkner, há gente que quando se vê numa situação de desespero é confrontada com a escolha entre a dor e o nada. Os gregos estão nessa situação. Porque quem não tem nada já nada tem a perder. Porque já teve dor que chegue. Porque já está para tudo. 

Não sei se na segunda-feira o euro continuará a cair, nem se a Europa algum dia irá recuperar, mas há coisas que nunca mudam. E é com elas que temos de contar.

Uma é confirmar-se que para os agiotas é sempre preferível correr o risco de esticar a corda e deixar que o devedor agonizante se enforque com ela, não reavendo os juros nem o capital, do que dar mais cinco dias para que esse mesmo devedor tome uma decisão final e se recomponha para voltar a pensar. No final, as culpas poderão ser imputadas ao devedor mas estarão todos a arder. Ou melhor, no fundo.

A outra são as sempre rigorosas e felizes declarações de Cavaco Silva. Enquanto a chanceler Merkel, quando questionada sobre um eventual fracasso do euro e uma saída da Grécia, dizia que "se o euro falha, a Europa falha", em Portugal, questionado em termos similares sobre o mesmo assunto, o Presidente da República fazia contas de somar e subtrair para concluir que "se a Grécia sair ficam dezoito". 

Perante isto que mais se pode dizer? 

todos temos bom gosto

Patrícia Reis, 29.06.15

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 O homem sabia que, realisticamente, era impossível que todos tivessem bom gosto, sentido de humor, um guarda-roupa impecável, corpos perfeitos e outras coisas. Olhou para a mulher, ela de riscas multicolores, camisa e colete, tudo baralhado, e pensou que seria uma bondade alguém alvitrar a possibilidade de ela não ver bem as cores. Hoje não era totalmente dramático, azul e rosa, enfim, admissível, mas a mulher, aquela mulher, só podia ser daltónica.

Grécia antiga (33)

Pedro Correia, 29.06.15

«Há dois aspectos essenciais que os novos governantes gregos - de que, tenho a certeza, vou discordar muito no futuro - trouxeram e que eram e são essenciais: o declarar alto e em bom som que o caminho seguido vai destruir a sua comunidade - e o resto das europeias e a própria ideia da União Europeia, digo eu - e o de porem a discussão no único plano possível, o da política.»

Pedro Marques Lopes, no Diário de Notícias (8 de Fevereiro de 2015)

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