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Delito de Opinião

As luminárias vão a banhos

Pedro Correia, 31.07.11

Em sucessivos canais televisivos de notícias, os participantes de programas consagrados ao "debate político" têm anunciado aos portugueses que irão de férias durante todo o mês de Agosto, regressando apenas em Setembro. Num país em crise, com um governo recém-empossado, numa altura em que a política necessita mais que nunca do escrutínio público e quando o próprio Parlamento resume a duas semanas o seu período de férias, os referidos programas não abdicam de um longo descanso estival e os seus comentadores encartados já se encontram a banhos, como se este fosse um Verão igual a qualquer outro. Já imagino até alguns deles a resmungar, em artigos de jornal, como é saturante passar um mês inteiro nas longas filas de trânsito e de veraneantes nas rotas algarvias.

É bom anotar este facto para responder aos próximos moralistas de serviço asssim que vier a propósito. Sobretudo aos que se preparam para regressar às pantalhas só em Setembro, devidamente bronzeados, como se tivessem descoberto a pólvora nas falésias de Albufeira e na marina de Vilamoura. Só me interrogo como conseguiremos viver cinco intermináveis semanas sem o juízo implacável destas fulgurantes luminárias.

Mas quem foi o palerma que disse que o Vasco estava de férias? Ah!, não se chama Vasco?

Sérgio de Almeida Correia, 31.07.11

Não é que uma nomeação faça a primavera, mas todo o processo se assemelha demasiado com o passado – facto que nos retira confiança para o futuro. Vai ser assim?

(…)

Sim, é cedo para avaliar, nem tudo o que parece é, mas aquilo que vemos está mal. É um mal que, seguramente, ainda tem conserto… mas isso significa que está estragado”

Henrique Monteiro, Expresso, 30 de Julho de 2011

O Relvas diz que este é do contra

Sérgio de Almeida Correia, 31.07.11

Que tenham sido precisas apenas semanas para o Governo deitar fora as suas promessas mais emblemáticas é sinal de que Passos Coelho não estava preparado para governar e que o que era prometido não era para ser levado a sério. Só assim se explica que, após a subida de impostos, o Governo se tenha entretido na criação de novas estruturas orgânicas e a repartir o conselho de administração da Caixa por uma coligação de sensibilidades políticas da coligação PSD/CDS/Belém que nos governa.”

Pedro Adão e Silva, Expresso, 30 de Julho de 2011

É bem feito!

João Carvalho, 31.07.11

Das quatro principais agências de rating chinesas, a Dagong é a única que não tem qualquer parceria com as agências Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s. Pois é precisamente a Dagong que acaba de anunciar — mesmo havendo um acordo entre Democratas e Republicanos para subir o limite da dívida externa norte-americana — «que vai baixar a nota dos EUA», que não está no topo, mas sim em A+.

É muito bem feito! A decisão surge do mercado que é o maior credor de Washington. Quanto mais baixar o rating dos EUA, mais desce o crédito das agências Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s.

Mas estes gajos combinaram todos?

Sérgio de Almeida Correia, 31.07.11

“(…) o que se passou com as escolhas para a Caixa Geral de Depósitos mostra que o discurso e a prática continuam distantes. Será que não haveria no mercado outros nomes igualmente competentes, mas mais consensuais e com imagens de maior independência face aos partidos e a interesses financeiros?

João Garcia, Expresso, 30 de Julho de 2011

A arma dele não perdoava

Pedro Correia, 31.07.11
Sherlock Holmes, a criatura, foi sempre mais popular do que o criador, Conan Doyle. O mesmo se passou com Perry Mason, que ultrapassou largamente o seu criador, Erle Stanley Gardner, em reconhecimento público. Ou Nero Wolfe (criado por Rex Stout) e O Santo (por Leslie Charteris). Até Poirot e Maigret gozam hoje de maior notoriedade do que os seus autores, Agatha Christie e Georges Simenon. Com Mickey Spillane (1918-2006) era ao contrário: sempre foi mais popular do que Mike Hammer, o detective que criou. Ao ponto de não faltar quem pensasse que o detective era o próprio Spillane. Um detective muito diferente dos demais: forjado nos abismos da guerra, formado no auge do terror atómico, surgido depois de Auschwitz e Hiroxima, quando já nenhuma utopia era credível. Violento, amoral, Hammer odiava o compromisso com o mundo do crime. Ao ponto de, em obras como O Juiz Sou Eu e A Minha Arma não Perdoa, se confundir ele próprio com um criminoso pelos métodos que empregava. Foi esta a originalidade de Spillane, que não tardou a ter imitadores de quinta ordem, iniciando um repugnante subgénero no policial - o do detective-vingador a qualquer preço.
Lembrei-me dele ao saber que a Titan Books tenciona publicar até 2014 três policiais que Spillane deixou inacabados e serão concluídos por Max Allan Collins, depositário do seu arquivo. Nunca apreciei o estilo duro deste autor, que enriqueceu com os livros que produzia sem jamais esconder o ódio à literatura: os meus modelos de private eye são Marlowe (de Chandler) ou Lew Archer (de Ross Macdonald), seres magoados mas que conservavam um fundo de heroicidade romântica nada em consonância com a era sem heróis em que viviam. Hammer, pelo contrário, estava em plena sintonia com uma época em que se apagavam os últimos vestígios de uma ética colectiva, afogada em nome do sacrossanto determinismo individual.
A arma dele não tinha alma. Como as que matam em tantas rotas, da Noruega à Síria, nestes implacáveis tempos de Talião.

Onde é que eu já vi isto?

Sérgio de Almeida Correia, 31.07.11

Encarar as empresas do Estado e, desde logo, o banco público como propriedade partidária a distribuir pela clientela não é novidade. Mas Passos Coelho e Paulo Portas, tão exigentes e moralistas quando estavam na oposição, prometeram agir de modo diferente. Tiveram uma oportunidade de ouro para o demonstrar e falharam redondamente.

(…)

O Governo não hesitou aumentar o número de gestores, pagos a peso de ouro – talvez de modo a ajustar a oferta à procura de lugares – num momento em que pede sacrifícios; ignorou ou desvalorizou potenciais conflitos de interesses, tendo em conta o percurso profissional de alguns dos nomeados; e até no processo de recrutamento cometeu erros graves, visto um dos contemplados ter vindo dizer que foi convidado para “vice”, quando compete à própria administração da Caixa atribuir esse cargo.

Tudo isto num único ato de gestão é revelador de quão distantes estão as belas palavras dos líderes do PSD e do CDS contra o clientelismo do Estado.”

Fernando Madrinha, "O Pote e a Rua", Expresso, 30 de Julho de 2011

Grandes contos (8): Vergílio Ferreira

Pedro Correia, 30.07.11
Há em Portugal uma espécie de pudor atávico em praticar a arte do conto - característica que felizmente tem vindo a dissipar-se nas duas últimas décadas, com nomes que vão de Mário de Carvalho a Rui Zink. Entendido como género "menor" pela generalidade dos exegetas lusos de matriz universitária, o conto foi sendo considerado uma espécie de parente pobre da nossa literatura. Quem o cultivava quase tinha de pedir licença prévia para o efeito.
Alguns dos mais estimulantes autores portugueses do século XX, como Vergílio Ferreira, José Rodrigues Miguéis e José Cardoso Pires, dedicaram uma atenção marginal ao conto, sem repararem por vezes que nessas breves páginas se concentrava do melhor da sua escrita. Os notáveis Contos de Vergílio Ferreira, reunidos em volume em 1976 (Edição Bertrand), são bem a prova disso. Trata-se do espelho perfeito da obra de um romancista que começou integrado na corrente neo-realista e depois se tornou uma das vozes mais originais do nosso idioma.
Contos reúne ficções originalmente repartidas por dois títulos: A Face Sangrenta (1953) e Apenas Homens (1972). É um Vergílio Ferreira em transição da escola realista para a temática existencial que viria a coroar a fase "madura" da sua obra, este que emerge num dos mais tensos e vibrantes contos que conheço. Chama-se O Encontro e arranca deste modo tão sugestivo: "Agora a serra descia a toda a pressa para a aldeia. Depois, tranquila, alastrava devagar num grande vale, para subir ainda, suavemente, lá ao longe. Quebrado de cansaço e quase de surpresa, o engenheiro parou um instante no alto de um penhasco, soprando o fumo largo do cigarro, olhando em roda o silêncio da tarde. Um grande vento de solidão e montanha embatia-lhe no peito, inchando-lhe a camisa desapertada, penetrando-o de grandeza e de um incerto pavor."
Frases magníficas, num português sem rugas, mas que nos introduzem afinal num mundo primitivo, com as suas anacrónicas noções de honra e os seus insólitos rituais de inspiração bíblica. Vergílio Ferreira, escrevendo no Portugal de Salazar, descreve um país ancorado nos confins dos tempos e que permaneceu inalterado quase até aos nossos dias. Um crítico marxista falaria em luta de classes nesta história do engenheiro anónimo, oriundo de Lisboa, que se confronta com os códigos vigentes numa remota aldeia do interior. Na longa cena final, redigida quase com pulsão cinematográfica, de súbito "uma submissão milenária esmagou os dois irmãos" sedentos de vingança.
Mas esta é uma narrativa que não se deixa aprisionar por esquematismos de ordem estética ou ideológica: O Encontro merece lugar destacado em qualquer recolha dos melhores contos portugueses. E no entanto o autor, num prefácio escrito para a edição de 1976, quase pediu desculpa aos leitores pelo atrevimento: "Escrever contos foi-me sempre uma actividade marginal e eles relevam assim um pouco da desocupação e do ludismo." Não havia necessidade. O Vergílio Ferreira-contista nada fica a dever ao Vergílio Ferreira-romancista: em qualquer dos casos é sempre um vulto maior das nossas letras.

a minha mãe

Patrícia Reis, 30.07.11

Vi a minha mãe chorar três vezes. Uma num funeral. Uma em Ouro Preto, durante o Festival Literário, quando José Luís Peixoto disse o poema "Cinco à Mesa" e, por fim, ontem quando Jamie Cullum tocava com a felicidade estampada no rosto. Numa vida qualquer podia ser ela. Qualquer coisa a arrebatou a música, essa possibilidade maior, e o pensamento: podia ser eu. Não digo que a minha mãe, a mesma que amanhã faz 59 anos, fosse dar pontapés no piano ou algo assim, mas sei que "I got you under my skin" são acordes e acordes, todos juntos que, em vez de fazerem uma sinfonia, são a banda sonora de uma vida que ela acatou e não cumpriu. Não creio que tenha tido hipótese de escolha. Como ela, tantos de nós.

Sabia que... (70)

João Carvalho, 30.07.11

... foram inventados óculos cuja adaptação à distância é feita por zoom manualmente ajustável? Pois é: a patente está registada nos EUA e é suposto dirigir-se àqueles que ainda usam lentes bifocais ou que usam lentes progressivas.

O funcionamento é muito simples: os óculos integram duas lentes sobrepostas para cada olho e a haste central por cima do nariz, que faz a ligação entre as duas molduras duplas, possui um mecanismo básico com um "pinchavelho" que serve para aproximar ou afastar, progressivamente e em movimento contínuo, as lentes exteriores das lentes fixas interiores. No fundo, o resultado prático é semelhante ao do zoom dos binóculos, que permite o ajustamento à distância que se quer focar, aliado à variação das diopterias pelo efeito da sobreposição de duas lentes.

Não parece que o sucesso da invenção em Portugal esteja garantido. Por um lado, seria problemático agravar as campanhas rodoviárias: se conduzir não beba e não use óculos de adaptação manual permanente — eis o que se afigura impraticável. Por outro lado, só usa óculos quem vê mal, mas a verdade é que os portugueses são ceguinhos, uns, e invisuais, outros. Óculos para quê, se andamos sempre ó-tio-ó-tio?

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