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Delito de Opinião

Como era o mundo há meio século

Pedro Correia, 31.10.10

 

 

Um simples olhar à lista dos dirigentes em funções no mundo há meio século, no início de uma das décadas mais memoráveis de sempre, revela-nos muito do que eram aqueles tempos. Em 1960 mal se haviam dissipado ainda os ecos da II Guerra Mundial: dois heróis daquele conflito, o mais sangrento da História, ocupavam funções presidenciais – Dwight Eisenhower na Casa Branca e Charles de Gaulle no Palácio do Eliseu. A política de blocos – capitalista e comunista – estava no auge, o que se revelava bem na existência de três países divididos: Alemanha (Konrad Adenauer era o chanceler no Ocidente, Walter Ulbricht era o número um da Alemanha de Leste), a Coreia (com o pró-soviético Kim Il-sung a norte e o pró-americano Syngman Rhee a sul) e o Vietname (Ho Chi Minh era o líder em Hanói e Ngo Dinh Diem em Saigão).

 

 

 

Era ainda o tempo das ditaduras: bastava ver o mapa da Europa dessa época, povoado delas. Umas de direita (Franco em Espanha, Salazar em Portugal), outras de esquerda (Tito na Jugoslávia, Novotni na Checoslováquia, Gomulka na Polónia, Kádar na Hungria, Gheorghiu-Dej na Roménia, Enver Hoxha na Albânia).

E havia sobretudo o sonho – rapidamente gorado – de um Terceiro Mundo livre da influência da política de blocos, com dirigentes prestigiados um pouco por todo o planeta, vários dos quais em países que acabavam de se libertar das tutelas coloniais. Nehru na Índia, Sukarno na Indonésia, Nasser no Egipto, Nkrumah no Gana, Sékou Touré na Guiné, Senghor no Senegal.

 

 

 

Era um tempo em que ainda se acreditava na política e nos políticos. Um tempo em que se acreditava que um homem podia fazer a diferença. Líderes tão diferentes como Juscelino Kubitschek (no Brasil), Fidel Castro (em Cuba) e Ben-Gurion (em Israel) mobilizavam multidões para o seu ideário e os seus projectos.

Um tempo que coexistia com a manutenção de reinos e impérios, alguns dos quais milenares. Hirohito, um dos derrotados da II Guerra Mundial, mantinha-se no trono japonês. Hailé Selassié era o imperador da Etiópia, ex-Abissínia. Reza Pahlevi pontificava como xá do irão, antiga Pérsia. Havia também monarcas jovens e dinâmicos, muito populares entre os súbditos, como Hussein na Jordânia e Sihanouk no Camboja.

Nikita Krutchov, o sucessor de Estaline, era o dirigente supremo da URSS, que via a China de Mao Tsé-tung distanciar-se cada vez mais apesar das afinidades programáticas entre os dois gigantes comunistas. A regra mantinha-se, fosse qual fosse o quadrante geográfico ou ideológico: o poder era ocupado por figuras carismáticas – até o poder espiritual, com o jovem Dalai Lama ou o velho Papa João XXIII. Nesse ano em que uma nova palavra entrou nos dicionários: primeira-ministra. Sirimavo Bandaranaike, no Ceilão (actual Sri Lanca), era a primeira mulher a assumir a chefia de um Governo. Num mundo cronologicamente tão perto mas em certos aspectos já tão distante.

 

Imagens:

1 - João XXIII (1881-1963)

2 - Mao Tsé-tung (1893-1976)

3 - Juscelino Kubitschek (1902-1976)

4 - Gamal Abdel Nasser (1918-1970)

5- David Ben-Gurion (1886-1973)

6 - Dwight Eisenhower (1890-1969)

Lentes desfocadas

Paulo Gorjão, 31.10.10

Vital Moreira considera que os €500 milhões de receita que deixarão de ser arrecadados pelo Estado na sequência do acordo entre o Governo e o PSD poderão conduzir à intervenção do FMI em Portugal.
Tem graça que eu pensava que a eventual entrada do FMI em Portugal se devia à incapacidade do Governo em controlar a despesa. Enfim, para não não recuar muito mais, pormenores como a derrapagem na despesa do Estado em 2010 de €1.7 a €1.8 mil milhões. Aparentemente isto é um detalhe irrelevante para Vital Moreira.

Leituras

Pedro Correia, 31.10.10

 

"A alegria dos alegres é uma doença como qualquer outra, uma espécie de vício que desordena a vida e a falsifica. Gente alegre todo o dia. Gente que ama profunda e desorganizadamente a vida. Não tinha opinião sobre isso, mas reconhecia que era preciso ter algum ressentimento contra a vida, em algum lugar, em algumas horas, em certos dias. O bom humor permanente é um atrevimento de medíocres."

Francisco José Viegas, Longe de Manaus

(Asa, 6ª edição, 2008) 

Um problema de hábitos

João Carvalho, 31.10.10

Para o Governo, o acordo com o PSD sobre o Orçamento «tem um custo»: 500 milhões de euros, retirados das receitas. Peanuts. Nada que o Governo não esteja habituado a desperdiçar num estalar de dedos. O problema vai ser compensar esse montante do lado das despesas, visto que o Governo não está habituado a poupar.

Ora, aquele mau hábito associado a esta falta de hábito nada augura de bom. Palpita-me que os 500 milhões de euros banidos das receitas hão-de reaparecer mais-dia-menos-dia de regresso às receitas. Mais os milhões das derrapagens habituais, é claro, porque a incompetência não se cura na noite da passagem de ano.

Todos os livros são iguais? Mmmhbem...

Bandeira, 30.10.10

José Bandeira

 

Na contracapa de um livro que tenho em mãos (não importa que livro, é sobre sexo, ok?), pode ler-se (tradução caseira, realçados meus):

“UMA EDIÇÃO DOVER CONCEBIDA PARA ANOS DE USO!
Não nos poupámos a esforços para fazer deste o melhor livro possível. O nosso papel é opaco, com um grau de transparência mínimo; não descolorará nem ficará quebradiço com o tempo. As páginas são encadernadas em fascículos, no método tradicionalmente usado para os melhores livros, e não se separarão. Os livros permanecem facilmente abertos para eficaz consulta. A capa não criará fendas nem se destacará. Este é um livro permanente.”

Emocionei-me, chorão leitor. Examinei demoradamente a capa. Assentei o volume numa mesa para averiguar se era capaz de se manter aberto num local contendo a reprodução de uma foto… ahm… interessante. Estudei a lombada, a textura das folhas, a sua opacidade. Lembrei os tempos, não tão longínquos assim, em que o papel era fabricado a partir de algodão ou linho: na I Grande Guerra, Londres ainda pedia roupa velha para o fabrico de panfletos e qualquer outro produto que contribuísse para o esforço de guerra, como mortalhas de cigarro e cartas de jogar. A coisa durava os conflitos regionais e mundiais que fosse preciso.

Depois, a celulose; e com ela, o papel de desgaste rápido. No processo, alterou-se o carácter das nossas florestas e fauna. Simpáticos koalas preguiçam hoje um pouco por todo o nosso lindo país de eucaliptos (ninguém os vê, mas isso é porque serão koalas, mas não são parvos). Papel feito a partir do pinheiro possui razoáveis qualidades, mas a nobre árvore leva o seu tempo a crescer; eucalipto é bem mais rápido. Não, tem toda a razão, experimentado leitor, de facto o papel não fica tão bom, mas isso é coisa para as crianças mais tarde terem alguma coisa para resolver para além do défice, da Segurança Social ou das alterações climáticas, não queremos que fiquem com a vida demasiado facilitada, queremos? Por todas as vezes que nos obrigaram a levantar da cama às quatro ou cinco da madrugada, não, um categórico NÃO.

Enfim, se acha que vale a pena deixar uma pequena biblioteca aos rebentos mas não tem espaço e a vizinha do lado não permite que instale mais estantes em casa dela, reflicta um pouco. Há por aí uns discos baratos que levam monstrabytes de livros digitais e duram, quê?, uma eternidade (desde que mantenha os seus filhos longe do teclado e o Universo não seja finito). E não me venha com a conversa de que não consegue ler num computador. Livros digitais podem sempre ser passados a papel. Pelo menos os que não estão protegidos contra impressão por essas empresas amigas do… eh… meio ambiente, digamos assim.

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Nota: Scott Vile (quem é Scott Vile? Não faço a mínima ideia) leu um panegírico muito parecido com o meu mas parece ter os “livros permanentes” da Dover em não tão boa conta (perdoe o litotes, mas é perfeitamente legal: já passa das cinco da tarde).

Fumaça

Paulo Gorjão, 30.10.10

A tese do ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, segundo a qual as exigências do PSD abriram um buraco de €500 milhões é, no mínimo, hilariante. Como se não fosse a incompetência do Governo e a sua incapacidade para cortar na despesa a verdadeira razão da pesada carga de impostos que pagamos.
Qualquer pessoa minimamente séria reconhece que as propostas do PSD eram sensatas. E qualquer pessoa minimamente atenta sabe que o Estado tem muita despesa inútil por onde cortar. Assim queira o Governo e Teixeira dos Santos colocar mãos à obra.
O resto são tretas que apenas pretendem antecipar e justificar (mais) uma derrapagem nas metas orçamentais previstas.

História de uma criação

João Carvalho, 30.10.10

Acaba aqui a história da criação do Orçamento do Estado para o próximo ano. Quer dizer que termina também a tournée de uma dramatização que percorreu o País. É o fim de uma peça teatralizada sobre negociações irredutíveis e irredutibilidades negociáveis. A partir de agora, voltamos à história antiga e vale a pena fazermos duas perguntas.

Primeira pergunta: quantas vezes um Orçamento foi chumbado no passado? Resposta: nenhuma. Segunda pergunta: quantas vezes um Orçamento foi cumprido? Resposta: nenhuma. Orçamentos rectificativos, Orçamentos suplementares, desorçamentações, receitas extraordinárias e por aí fora, manobras à vista e esquemas escondidos — o cardápio é longo e conhecido.

Em toda esta história com mais de três décadas, a conclusão possível é apenas uma: o OE para 2011 é imprescindível que venha a ser aprovado e era impensável que chumbasse, mas não se sabe bem porquê. Só se sabem duas coisas: que a criação não será cumprida e que a sua execução permanecerá nas mãos dos criadores, que já levam anos a mostrar a maior incompetência para executar e cumprir.

Por outras palavras: continuamos bem entregues. O OE é essencial...

Ler

Pedro Correia, 30.10.10

Cavaco e as sondagens. De Alexandre Homem Cristo, n' O Cachimbo de Magritte.

Os cinco Cavacos. Do Daniel Oliveira, no Arrastão.

Pudor. De António Pais, no Fim de Semana Alucinante.

A teoria da farsa ou a farsa da teoria. Do Luís Naves, no Albergue Espanhol.

Coisas más. Do Miguel Marujo, na Cibertúlia.

Telegrama. Do Tomás Vasques, no Hoje Há Conquilhas.

Vai no Batalha. Do Francisco José Viegas, n' A Origem das Espécies.

Dupla personalidade política (apenas política). Do Emídio Fernando, no Correio Preto.

Procura-se. Do David Levy, no Lisboa-Tel Aviv.

Misses Pinch. Do José António Abreu, n' O Escafandro.

Um outro Outubro. Da Joana Lopes, no Entre as Brumas da Memória.

O inquilino. De Rui Herbon, na Jugular.

O sonho feminino. Do Luís Naves, no Emoções Básicas.

Algés. Da Cristina Nobre Soares, no Deserto do Mundo.

É a estética, estúpida! De Eugénia de Vasconcellos, no É Tudo Gente Morta.

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