Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

O Zé e as árvores que não buzinam

Pedro Correia, 30.11.09

  

 

Moro a dois passos da Praça de Alvalade, zona que tão maltratada tem sido pela Câmara Municipal de Lisboa. Mas nem eu, que já vi acontecer um pouco de tudo nesta cidade  e que praticamente deixei de acreditar em qualquer palavra de qualquer político, imaginava o que acaba de suceder: as laranjeiras que há quatro décadas ornamentavam a praça acabam de ser arrancadas por decisão do município. Primeiro desapareceram as da ala nascente, agora foram derrubadas as da ala poente. Deixou de haver laranjeiras na Praça de Alvalade. Eram um património vegetal inestimável da cidade de Lisboa, um autêntico ex libris do género na capital. E foram retiradas ainda carregadas de laranjas: bem as vi há dias, pouco antes do blitzkrieg determinado pelo vereador encarregado dos espaços verdes de Lisboa, José Sá Fernandes, com a ordem para o seu abate a pretexto do "arranjo" da praça. Quase em segredo, sem consulta de espécie alguma aos habitantes da freguesia. O "arranjo", na capital menos arborizada da Europa, é um eufemismo para aumentar o espaço empedrado no passeio - isto é, proporcionar mais uns quantos lugares de estacionamento ilegal à custa dos direitos do peão e do equilíbrio ecológico da cidade. Estando os cofres camarários sem um vintém, como António Costa não se cansa de repetir, percebe-se mal que ainda haja verba para gastar nestas operações cosméticas destinadas a substituir árvores por pedras. Tornando Lisboa uma cidade mais feia e mais inóspita.

Esta sanha contra os espaços verdes do vereador Sá Fernandes, que também acaba de autorizar o derrube de pelo menos 46 árvores no jardim do Príncipe Real, a pretexto de que estavam "doentes" (como se tantas árvores pudessem "adoecer" ao mesmo tempo, no mesmo local), esbarra com a tradicional apatia dos lisboetas: ninguém protesta, ninguém se indigna, ninguém se insurge.

Se fosse no Porto, onde o bairrismo é uma bandeira, bastaria a suspeita de que estaria em marcha uma operação lesa-ecologia como esta para Sá Fernandes encontrar pela frente uma acção de embargo, que lhe pudesse travar o passo. Ele sabe bem o que isso é, aliás: antes de fazer parte do poder camarário distinguiu-se como o maior embargador da capital. Não na defesa dos interesses da cidade, como agora se comprova, mas na defesa dos seus interesses políticos.

"Tanto que fazer e metem-se com as árvores. Deve ser por não buzinarem", como escrevia sabiamente a Maria Isabel Goulão n' O Carmo e a Trindade. Definitivamente, este Zé inimigo das árvores não fazia falta nenhuma a Lisboa.

 

Imagem: as laranjeiras que já não há, no blogue Amigos do Botânico.

 

ADENDA

Ler também:

- O arboricídio camarário floresce no Príncipe Real. De José do Carmo Francisco, na Aspirina B.

A figura da semana (3)

Carlos Barbosa de Oliveira, 30.11.09

António Guterres

A revista Forbes publicou, há semanas, uma lista das pessoas mais poderosas do mundo. Muitos terão ficado surpreendidos por António Guterres  ser  o único português  que consta dessa lista e de ela não incluir  o nome do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso.
Se perguntássemos aos portugueses qual era o português mais poderoso do mundo,  Durão Barroso recolheria, certamente, o maior número dos votos e poucos se lembrariam de António Guterres, presidente de um organismo que a maioria dos portugueses desconhece: o Alto Comissariado das Nações Unidas  para os Refugiados (ACNUR).
A reacção de surpresa é bem reveladora da forma distorcida como vemos o mundo, incapazes de olhar  para além do nosso umbigo. A comunicação social portuguesa padece do mesmo mal. Raras vezes fala do ACNUR e da sua importância. Provavelmente, porque também não  se preocupa muito com o trabalho desenvolvido pelo ACNUR
Goste-se ou não de Guterres, a sua escolha para figura da semana parece-me justa.  Tal como o cromo da semana, que podem ver aqui.

Portugal: por estes rios acima (30)

Pedro Correia, 30.11.09

 

 

 

 

RIO ZÊZERE

 

Nascente: Serra da Estrela, junto ao Cântaro Magro

Foz: Rio Tejo, em Constância

Afluentes: Rios Alge, Cabril, Nabão

Extensão: cerca de 240km

 

"Era uma pobre, trémula fita de água, ora muito estreita, ora mais larguita, às vezes quase invisível, que se lançava lá do alto por um sulco ou diáclese da rocha negra, aberta para lhe dar melhor caminho."

Ferreira de Castro, A Lã e a Neve 

 

ADENDA: Esta série chega hoje ao fim: conforme prometido, era para durar todo o mês de Novembro. Mas a pedido de vários leitores seguir-se-ão outros rios numa série complementar. Já a partir de amanhã. Até 20 de Dezembro.

Pratos do dia (17)

Paulo Gorjão, 30.11.09

Charles Ebbets, Lunch Atop a Skycraper, c.1932.

 

1. Citação

"A vote is like a rifle; its usefulness depends upon the character of the user", Theodore Roosevelt.

2. Uma posta

"A difícil equação de Sócrates", por Vítor Matos (Elevador da Bica, 30.11.2009). Não me parece provável, mas...

3. Em 140 caracteres

"Gosto de ver mais uma vez Pacheco com Preto e Mme. Lopes da Costa", por António Nogueira Leite.

4. Notícias da onda em tempos de maré vazia...

Aqui.

5. Are you sure?

"Goleada no Parlamento", por João Cândido da Silva (JNeg., 30.11.2009). Já o disse aqui, por outras palavras, e volto a dizer: julgo que se estão a fazer leituras apressadas e erradas do que aconteceu no Parlamento na sexta-feira. A votação coordenada do arco que vai do BE ao CDS, pura e simplesmente, não é sustentável no tempo. Se fosse significaria que não havia divergências entre si e o feitiço acabaria por se virar contra o feiticeiro. O que se passou foi uma mera manobra de dissuasão. Um alerta severo ao Governo. Aliás, parte importante dos diplomas aprovados na generalidade não passará na especialidade. Em suma, a goleada será bem menor do que se está a apregoar.

6. Jogo de sombras

Balanço actual, com a (des)informação que é pública: nenhuma das partes fica bem na fotografia. Muito jogo político por debaixo da mesa.

7. 100 Notable Books of the Year

Aqui.

 

2017

Luís M. Jorge, 30.11.09

O presidente da União Europeia lamentou o impasse do encontro de emergência de Potsdam, em que a Escandinávia, a Alemanha e a Grã-Bretanha exigiram que as economias do Leste e da Europa do Sul fossem excluídas da moeda única. Este momento de incerteza na vida das instituições europeias foi recebido com indiferença em Portugal, a braços com o rescaldo das legislativas.

 

Numa entrevista ao Diário de Notícias, Pedro Passos Coelho comprometeu-se a reforçar a cooperação estratégica entre o seu partido e o Governo de José Sócrates, invocando os inúmeros sucessos da última legislatura.  Fontes anónimas garantiram-nos que o social-democrata Ângelo Correia será o novo presidente do Conselho de Administração da EDP, enquanto Miguel Relvas ocupará funções idênticas na REN.

Os dados recentes sobre o agravamento do défice das contas públicas e do saldo negativo da balança de transacções correntes, bem como a confirmação do crescimento da taxa de desemprego para 18,3 por cento não desencorajam o primeiro-ministro,  que se mostra determinado e confiante no rumo que traçou para o país. Atribuindo os maus resultados pontuais à persistência da crise internacional, José Sócrates recordou que está previsto um crescimento de 0.2 por cento do PIB em 2018, uma consequência evidente das iniciativas encetadas pelo Governo.

É verdade que há sinais de vitalidade na economia portuguesa. O presidente da Sonae, Armando Vara, anunciou a edificação do maior centro comercial da Península Ibérica, que servirá as populações de Vinhais, da Sobreira de Baixo e do Parque Natural de Montesinhos. Também o governador do Banco de Portugal, José Lello, declarou ontem a sua confiança no efeito multiplicador dos novos investimentos públicos, como a construção do aeroporto internacional de Castelo Branco, outorgada à Mota-Engil.

A reforma da justiça continua a obter resultados. Esta semana a polícia judiciária efectuou buscas nas residências de quatro juízes desembargadores e de seis magistrados do Ministério Público, em conformidade com o mandato do senhor presidente do Supremo Tribunal de Justiça — o meritíssimo Lopes da Mota. O ministro dos assuntos parlamentares, João Galamba, congratulou-se com mais uma vitória do Estado de Direito contra a insídia da espionagem política.  Os quinze jornalistas recentemente acusados de calúnia e ofensa agravada ao bom nome do primeiro-ministro foram condenados em processo sumário a penas que variam entre os 14 e os 24 anos de prisão efectiva.

Hoje a Assembleia da República votará mais um orçamento redistributivo e a proibição de símbolos católicos em lugares de culto — uma medida há muito exigida pelos blogs da maioria. Para a próxima semana está agendada a discussão da proposta de lei que visa uniformizar os títulos das bibliotecas universitárias, sujeitando as novas aquisições à aprovação prévia de uma entidade reguladora.

O primeiro-ministro afirmou que a proposta segue as melhores práticas em vigor nos países desenvolvidos, acusando os profetas da desgraça e os bota-abaixistas que persistem em obstaculizar os esforços reformadores do seu governo. Não terão sucesso, concluiu. Portugal está no bom caminho.

O comentário da semana

Pedro Correia, 30.11.09

 

"1. A mim arrepia-me a ideia de que uma confissão possa de alguma forma servir para condenar alguém. Porque essa era a prática em estados ditatoriais como a União Soviética: obtinha-se a confissão sob tortura, e ala para o Gulag com o infeliz. As confissões, a não ser as depostas em tribunal - e mesmo essas! - podem ser obtidas por meios duvidosos. Condenar uma pessoa com base na sua confissão do crime é abrir a porta à utilização desses meios duvidosos.
2. A filosofia garantística não permite ilibar toda a gente - permite ilibar os ricos, que são aqueles que têm dinheiro para pagar aos advogados. É precisamente esse o atrativo da filosofia garantística - permite fazer uma justiça de classe. Sem dúvida que tal é muito popular no Brasil, e cá em Portugal também, pelos mesmos motivos."

 

Do nosso leitor Luís Lavoura. A propósito deste texto meu.

Blogue da semana

Jorge Assunção, 29.11.09

Na blogosfera económica, nenhuma universidade está tão presente como a George Mason. Não é de admirar, uma vez que, quer a blogosfera, quer a George Mason, partilham parte do código genético: a abertura à comunidade exterior, a necessidade de estabelecer um circuito aberto para troca de ideias. O tempo ‘perdido’ pelos seus professores a comunicar com o exterior, mais do que compensou. Entre outras coisas, promoveu a ascensão da universidade nos rankings de reconhecimento e nas preferências dos alunos. Talvez a academia portuguesa pudesse aprender alguma coisa com o exemplo, mas duvido.

 

A originalidade na forma de comunicar e pensar a economia - marca da George Mason e que deu origem ao termo masonomics - pode ser encontrada naquela que é a minha escolha para blogue da semana: o Econlog. Neste, Arnold Kling, Bryan Caplan e David Henderson, abordam os fenómenos económicos com aquele toque de liberalismo tão ausente do panorama lusitano.

As senhoras primeiro

João Carvalho, 29.11.09

A peixeirada-do-mal é uma nódoa que cai aos fins-de-semana num canal de informação – a SIC-Notícias. O moderador não modera e os opinadores não opinam. Ou opinam, mas ninguém os ouve: atropelam-se todos à molhada, cada qual a levantar mais a voz do que os restantes, e a peixeirada instala-se invariavelmente. Não é um grande mal, porque o pouco que se percebe é um chorrilho de lugares-comuns que não-aquenta-nem-arrefenta.

Pela devida ordem, a senhora vai à frente. Seguem-se dois inócuos. Por fim, o lugar mais honroso é o do Daniel Oliveira. Raramente concordo com ele, mas reconheço que se destaca pela seriedade e coerência. Já lhe dirigi umas gracinhas no passado, mas deve ser por isso mesmo que gastei algum tempo. E até lhe dirijo outra: aquela peixeirada não é séria, Daniel.

Portugal: por estes rios acima (29)

Pedro Correia, 29.11.09

  

 

 

 

RIO VOUGA

 

Nascente: Serra da Lapa, freguesia de Quintela, concelho de Sernancelhe

Foz: Ria de Aveiro

Afluentes: Rios Sul, Caima, Ul, Águeda, Marnel, Teixeira

Extensão: cerca de 140km

 

"Todas as águas do Vouga, do Águeda e dos veios que nestes sítios correm para o mar encharcam as terras baixas, retidas pelas dunas de 40 quilómetros de comprido, formando uma série de poços, de canais e de lagos de uma vasta bacia de água salgada."

Raul Brandão

Pratos do dia (16)

Paulo Gorjão, 29.11.09

Charles Ebbets, Break Time, Rockeffeler Center, 1932.

 

1. Citação

"If you don't know where you are going, any road will get you there", Lewis Carroll.

2. Referendo: minaretes

A Suíça acaba de aprovar a interdição de construção de minaretes. Nada a dizer sobre a legitimidade da decisão. A medida foi aprovada através de referendo e o voto foi exercido livremente. Coisa distinta é saber se foi justa. Não foi, na minha opinião. O resultado do referendo revela medo, intolerância, ou mesmo xenofobia. Um velho e longo debate.

Os gurus devem estar loucos

João Carvalho, 29.11.09

Ainda no início de Outubro passado, os celebrados gurus do mercado automóvel norte-americano colocavam o Smart ForTwo na posição de topo dos piores carros da década. De repente, no mesmo mercado e neste final de Novembro, o simpático Smart é apontado como o quinto automóvel mais popular do ano, à frente de muitos veículos fabricados nos EUA.

Por estas e por outras é que hei-de continuar a dar imenso valor ao que os norte-americanos pensam (pensam?). É de loucos.

Ler

Pedro Correia, 29.11.09

O Tratado que era a solução. Do Filipe Tourais, n' O País do Burro.

O crepúsculo dos ídolos. Do Miguel Morgado, n' O Cachimbo de Magritte.

Para os tempos de crise - I, II, III, IV. Do Francisco José Viegas, n' A Origem das Espécies.

No Estado português nem os maus hábitos nem os cargos se perdem. Da Helena Matos, no Blasfémias.

Robalos na vara. Do João Tunes, na Água Lisa.

Marilyn tranquila. Do Rui Bebiano, n' A Terceira Noite.

A gripe (I). Do João Campos, no Jardim de Micróbios.

A vertigem. Do Nuno Ramos de Almeida, no 5 Dias.

A minha aventura na Assembleia Municipal. De Manuel Falcão, n' A Esquina do Rio.

A vida em 91 páginas. Do António Luís, na Latitude 40.

O feicebuque da minha vida (6). Do João Severino, no Jornal do Pau.

Acerca do voto de agradecimento a Edmundo Ho. De Pedro Coimbra, no Devaneios a Oriente.

 

(em actualização)

'Artitectura': os mal-amados (10)

João Carvalho, 28.11.09

Alvalade XXI,

Lisboa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Alvalade XXI é um complexo em torno do Estádio José Alvalade, do Sporting Clube de Portugal (SCP), que inclui ainda o Edifício Visconde de Alvalade (sede do clube), um centro comercial, um pavilhão desportivo, uma clínica e outros serviços. Foi projectado por Tomás Taveira e custou cerca de 154 milhões de euros, dos quais o estádio custou quase 105 milhões.

O arquitecto ficou conhecido por diferentes polémicas: as polémicas Torres das Amoreiras, o polémico Edifício Arco-Íris, dois outros polémicos estádios de futebol em Portugal, o polémico projecto para um estádio do Palmeiras em São Paulo (Brasil) e um polémico filme pornográfico amador rodado no seu escritório das Amoreiras e que uma revista promoveu a escândalo sexual nacional.

Alguém menos avisado que se aproxime da obra poderá achar estranho que a Selecção do Brasil tenha um estádio e, mais ainda, que esse estádio seja em Lisboa. São as cores do SCP, é certo, mas a aplicação de verde e amarelo é excessiva.

Tem de reconhecer-se que, se assumido o lado artístico da criatividade, um arquitecto é sempre polémico nos projectos (e nos filmes caseiros) que faz. O problema é quando se trata de um clube e muitos adeptos também torcem o nariz.

'Artitectura': os mal-amados (9)

João Carvalho, 28.11.09

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

The Obelisk,

em Puerto Maldonado

(Peru)

The Obelisk é um monumento com a altura de um prédio de cinco andares na City Plaza de Puerto Maldonado – um monumento de autoria anónima numa cidade pouco mais do que anónima, cuja única atracção é ser a terra mais importante do distrito de Madre de Dios e eventual ponto de partida para conhecer a Amazónia peruana em que se insere.

O topo do monumento permite observar toda a cidade – uma terra praticamente parada – e, sobretudo, para lá dela, espalhar a vista sobre a selva. O problema é que a subida lá ao alto tem de fazer-se com grande parcimónia, porque o espaço é pouco.

Cá em baixo, a base do obelisco é redonda e apoia uma coluna quadrangular com pretensões futuristas que termina no dito observatório exíguo e que mais parece um fungo dos trópicos nascido sem ser convidado.

Numa região em que faria sentido encontrar uma ruína dos incas, esbarrar com um conjunto piroso em que a base de apoio hostiliza a torre e o cabeção que lhe pesam é absurdo. Resta a tal vista, que não é de cortar a respiração a partir daquela altura modesta de cinco andares.

O protesto de quem abomina a obra nunca se fará ouvir longe, mas uma coisa é certa: além de ser um caso menor e de mau gosto como tantas outras, não passa de mais uma auto-celebração das vistas em redor que se plantam por todo o mundo. Podia ser mais alta e mais sóbria, simultaneamente, e deve ser por isso que custa tanto encontrar uma imagem decente deste hino aos fungos, por muito que se procure.

Pág. 1/18