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Delito de Opinião

A viajante que detesta ser turista

Pedro Correia, 31.10.09

  

 

Poucos lugares no mundo são tão fascinantes como Istambul, onde a Europa acaba e a Ásia começa. Maria Filomena Mónica, no rasto de tantos milhares de viajantes, passou por lá há quatro anos e regressou rendida aos encantos da antiga Constantinopla, cuja conquista pelo otomanos, em 1453, marcou o fim da Idade Média.

Abundam os lugares-comuns sobre a Turquia. Antes de embarcar, Filomena Mónica não foi imune a eles. Mas a realidade que viu era bem diferente: “O trajecto até ao hotel deixou-me boquiaberta. A marginal, ao lado do Mar de Mármara, está cheia de árvores, há ruelas para os joggers, e por todos os lados se vêem parques infantis. O trânsito é infernal, mas as bermas das ruas estão tratadas e os passeios limpos. Onde as vias sujas que imaginara? Onde os becos imundos? Onde os cães escanzelados? Afinal, do ponto de vista sanitário, o Oriente não era tão mau quanto supusera.” Palavras da socióloga no seu mais recente livro, Passaporte.
Istambul sempre foi uma confluência de culturas – e daí o fascínio singular desta cidade carregada de um peso histórico proporcional à sua valia geográfica que seduziu povos das mais diversas latitudes.
Sem vocação para turista, a autora deixou-se hipnotizar pela paisagem irrepetível:“Só quando fui passear de ferry no Bósforo, partindo de Eminönü, na parte baixa da cidade, até ao porto de Anadolu Kavagai, já na Ásia, à entrada do Mar Negro, Istambul me conquistou. A saída, com a linha do horizonte recortada por milhares de cúpulas, é espectacular, como espectacular é o tráfego no qual somos mergulhados. Não recordo um local onde, como sucede no Bósforo, nos possamos cruzar, ao mesmo tempo, com petroleiros, ‘cacilheiros’, vasos de guerra da NATO, iates de milionários, graneleiros e fragatas de pescadores.”
 
É a polémica de momento nas principais chancelarias europeias – uma polémica que promete arrastar-se por vários anos. Deve ou não a Turquia aderir à União Europeia? De todos os argumentos invocados, há um que merece especial ponderação: a entrada deste imenso país que se espraia por dois continentes alargaria a configuração geográfica da Europa a limites nunca antes imaginados, fazendo a UE expandir-se para os confins da Ásia Menor. Franqueada a entrada à Turquia, porquê parar aqui? Porque não prosseguir até à Síria, ao Iraque, ao próprio Irão?
A Europa não é um clube cristão nem uma realidade monolítica do ponto de vista histórico. Mas a geografia tem um peso inultrapassável. Para o melhor e para o pior. Eça de Queiroz, que Filomena Mónica cita, apercebeu-se disso também ao navegar para Oriente: “A Humilde Porta vive num estado de humilhação permanente. A Europa tem-na tratado como um seu subalterno, dependente e inconsciente.” Palavras escritas em 1877 mas que podiam datar de hoje.
 
Neste livro de viagens escrito por alguém que confessa ter perdido o gosto por galgar fronteiras, Maria Filomena Mónica fala-nos de várias viagens. Visitou a Andaluzia - e deteve-se, maravilhada, na mesquita de Córdova. Ficou indiferente às pirâmides do Egipto mas adorou subir o Nilo. Voou a Macau e Hong Kong. Revisitou Oxford três décadas depois de ali ter estudado. E fez várias viagens na nossa terra - a Lisboa, ao Porto, a Évora, a Fátima, aos confins do Barroso e ao Algarve em pleno Agosto.
Todas as reportagens merecem ser (re)lidas.
 
 

Passaporte, de Maria Filomena Mónica (Alêtheia, 2009). 252 páginas.

Classificação: * * *

Belém na luta pela liderança do PSD

Paulo Gorjão, 31.10.09

aqui tinha referido os cálculos à volta de Belém e as suas ramificações no PSD. O jornal Expresso pega hoje no assunto. Seguramente por coincidência, no pior momento de popularidade de Aníbal Cavaco Silva, eis que surge Alexandre Relvas a liderar uma iniciativa que, objectivamente, procura desviar as ambições de um eventual candidato a Belém para um alvo diferente, i.e. a liderança do PSD...

O argumento de que Pedro Passos Coelho daria um "apoio necessário" e não um "apoio efectivo e verdadeiramente mobilizado" à (re)candidatura presidencial de Cavaco Silva é treta, pura e dura. O argumento não tem pés nem cabeça. Sejamos claros: alguém consegue imaginar o que é que Passos Coelho teria a ganhar em fragilizar a candidatura presidencial de Cavaco Silva?

A verdade é que não interessa quem é o líder do PSD. Seja quem for, se quiser e se não houver melhor alternativa, Cavaco Silva será sempre o candidato apoiado pelo partido. O que varia na equação é a existência, ou não, de uma alternativa. É por isso que é importante que Relvas apareça agora a [1] sinalizar a Marcelo Rebelo de Sousa que Cavaco Silva pretende recandidatar-se e [2] a desviar as suas atenções para o PSD. O resto é música de embalar...

Pregar aos chicos

Sérgio de Almeida Correia, 31.10.09
António pregou aos peixes. Este senhor prega aos chicos. O primeiro chegou a Santo. O segundo não aspira a tal, mas tem tudo para isso. A única diferença entre um e o outro é que enquanto o primeiro pregou para os peixes, que o escutaram, o segundo prega para chicos que não percebem o que ele diz porque sofrem de iliteracia. É que apenas aprenderam a conjugar dois verbos na perfeição: sacar e safar. Em mais de trinta anos de democracia este país não viu outra coisa que não fosse uma cultura de chico-espertismo. Uma criança não vai para a escola para aprender. Vai para sacar uma notas que depois lhe permitam safar-se lá fora e assim continuar a sacar outras notas que depois lhe permitam continuar a safar-se. E é assim pela vida fora até à hora da reforma. Alguns há que conjugam esses verbos tão bem que mesmo depois da reforma continuam a conjugá-los: a sacar e a safar-se. De caminho também sacam algum para os filhos e para a família e ajudam os amigos a safarem-se. Na actividade privada ou em empresas públicas, na tropa ou na banca, com os subsídios à agricultura ou os fundos europeus. Sem esquecer a política, onde uma multidão de chicos entra e sai para sacar e safar-se. Do general ao trolha, do banqueiro ao arrumador, do taberneiro ao escritor. É certo que há um tratado que continua por escrever, mas escrever para quê se já todos o leram. Nas entrelinhas. No recato de um gabinete, numa chamada telefónica, num piscar de olhos cúmplice. E alguns há que dominam esse tratado na perfeição. Pouparam o tempo da leitura e safaram-se. Na política houve quem atravessasse todo o arco a safar-se. Da esquerda à direita, de Lisboa a Bruxelas. Um discurso aqui, uns votos ali, um saquezito aqui, uma safadeza ali, uma peúgas para mim, uns bilhetinhos para ti. Ernâni Lopes é um homem bom. António também era. Os homens bons são homens decentes. Pena é que na casa dos chicos ninguém os aponte como exemplo. Se este país fosse educado na seriedade, no trabalho e na honestidade não existiria. Seria um país de homens bons, um país decente. Um país de Ernânis. Não teríamos espertalhões. Não haveria chico-esperto que se safasse, que conseguisse sacar alguma coisa. Os tribunais não serviriam para nada. Nenhum magistrado se safaria. Na carreira, evidentemente. O Conselho Superior de Magistratura seria um corpo espúrio do regime. O Millennium não pagaria dividendos. O Porto nunca teria sido campeão. O Colégio Militar não existiria. Portugal, muito provavelmente, também não existiria como país. Como Camões, Sena ou Cardoso Pires também nunca teriam existido. Eles ainda são hoje, para os sucateiros deste país, para os árbitros, para os senhores que mandam na bola e nos bares de alterne, o exemplo do fracasso. Já de Saramago não dizem o mesmo. Do Diário de Notícias ao Nobel, lá se foi safando: safou-se do PREC, de Cunhal, do PCP, do Ribatejo, das portuguesas e de Portugal. Até chegar a Estocolmo. Escrevendo, ora com vírgulas, ora sem vírgulas, lá se foi safando e sacando os respectivos direitos de autor. Medina Carreira também nunca teria existido, embora haja quem diga que este senhor não existe de todo e que não passa de um fantasma da República. E Cavaco Silva também não seria Presidente da República. Nem José Sócrates primeiro-ministro. Nem eu estaria onde estou. Nem este blogue (nem muitos outros mais) teria conhecido as luzes da blogosfera. Ernâni Lopes, que sabe de economia como poucos, devia meditar nisto. Ele faz-me lembrar alguns juízes, alguns advogados e alguns políticos que vivem fora do mundo. Os gatos fedorentos não existem por acaso. Sacando e safando-se. A mim ninguém me ensinou a conjugar o verbo sacar. E o safar ainda menos. Tenho pena. Por mais que tente nunca conseguirei aspirar a ser um sucateiro respeitável. Ou um "advogado de sucesso". A mim limitaram-se a dizer-me que a decência não pode ser cabulada. A decência não se ensina. Transmite-se. E para isso é preciso tê-la. Como aos tomates. Ernâni Lopes devia ter percebido isto.

Um conselho amigo

Paulo Gorjão, 31.10.09

Não me parece boa estratégia que Marcelo Rebelo de Sousa utilize o seu programa na RTP para comentar e esclarecer temas que tenham que ver com a sua própria pessoa e o seu envolvimento activo na vida partidária do PSD. Cada vez que o fizer estará a dar argumentos a quem quer acabar com o seu programa, precisamente com a justificação de que o programa serve a sua estratégia pessoal e partidária.

Da desfaçatez...

Paulo Gorjão, 31.10.09

José Eduardo Martins -- declaração de interesses: pessoa que estimo -- atirou-se a António Nogueira Leite relembrando o seu passado. Por momentos temi o pior e que uma vez mais José Eduardo Martins perdesse a cabeça e recorresse ao insulto fácil. Mas, vá lá, desta vez não houve filho disto e daquilo... Enfim, nestas coisas dos passados, acho que um pouco de prudência -- também a pensar no futuro -- não ficaria mal a ninguém. José Eduardo Martins deveria ter alguma contenção para não ouvir coisas que certamente não gostaria de ouvir sobre o seu próprio passado. Adiante. José Eduardo Martins seguramente já se arrependeu de mais um excesso, fruto de ter o coração ao pé da boca.

P.S. -- A cereja no topo do bolo, o legado final de Manuela Ferreira Leite, é também este. Além dos 29%, a líder do PSD ao prolongar a transição durante meses arrasta no tempo uma luta fratricida da qual ninguém sai a ganhar, antes pelo contrário. Do princípio até ao fim, Ferreira Leite deixa um péssimo legado ao seu partido.

 

Adenda

Ler também "Tantos a falar para dizer o mesmo de sempre", "Às vezes convém lembrar o óbvio" e "Contado ninguém acredita...".

 

Ler

Pedro Correia, 31.10.09

A quieta melancolia... Do Tomás Vasques, no Hoje Há Conquilhas.

PSD (II). Do Filipe Nunes Vicente, no Mar Salgado.

O labirinto do PSD. Do Luís Naves, no Corta-Fitas.

PSD Investimentos. De Rui Albuquerque, no Portugal Contemporâneo.

O líder 'redentor' do PSD. De Luís Rocha, no Blasfémias.

XVIII Governo. Da Luísa, no Nocturno.

Face oculta... De Ana Paula Fitas, n' A Regra do Jogo.

Tudo menos isso. Da Helena Matos, no Blasfémias.

Elites de Portugal (17). Do Jorge Ferreira, no Tomar Partido.

Valentina. De Cristina Nobre Soares, no Deserto do Mundo.

Obrigado. Do Tiago Moreira Ramalho, no Corta-Fitas.

Até que enfim. De Nelson Reprezas, no Espumadamente.

A natureza humana num livro. Do João Sousa André, na Estação Central.

Richard Zimler e a brutalidade. De Jorge Costa, n' O Cachimbo de Magritte.

Os argumentistas e a liberdade individual. Da Ana Gabriela, no Rio Sem Regresso.

Nos vinte anos da queda do muro, revelações do arquivo da Stasi. De Irene Pimentel, na Jugular.

Pela democracia, fim ao embargo. Do João Tunes, na Água Lisa.

Yes, they have no bananas. Do Rui Bebiano, n' A Terceira Noite.

Perfeitinhos eram o bigodinho do Hitler e a careca do Mussolini. De Bernardo Pires de Lima, na União de Facto.

A onda gigante (5)

Paulo Gorjão, 31.10.09

Sabe qual é o maior apoiante da candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à liderança do PSD? O apoiante número um? Aquele que mais ganha em desviar as suas atenções de outras candidaturas potenciais a cargos alternativos?

Ora, a resposta é muito fácil. Basta, aliás, pensar em quem marcou presença na primeira fila a organizar a onda. Ou devo dizer, antes, o ultimato?

A onda gigante (4)

Paulo Gorjão, 30.10.09

Tenho de apresentar aqui um pedido de desculpas aos meus leitores porque, na verdade, tenho estado a desvalorizar inadvertidamente a onda. Qual onda pífia, qual quê, a onda é muito maior do que tenho estado a referir. Além de Macário Correia inclui também Guilherme Silva. É uma onda de impor respeito.

Vamos lá ver se o Expresso amanhã dá uma ajudinha, antes de atingir a costa...

A derrota e a vergonha

Pedro Correia, 30.10.09

 

Às 8 da manhã do dia 21 de Junho de 1942, as tropas britânicas sitiadas na fortaleza de Tobruk, no norte de África, rendiam-se às divisões comandadas por Erwin Rommel, após terem sofrido baixas consideráveis. No seu quartel-general da Alemanha, Hitler rejubilou, entregando a Rommel o bastão de marechal. Ao receber a má noticia em Washington, onde conferenciava com o presidente Roosevelt, Churchill desabafou: “A derrota é uma coisa, a vergonha é outra.” Os britânicos tinham sido derrotados mas não deviam envergonhar-se. Tinham-se batido até ao limite das suas forças. Um ano mais tarde, recuperariam Tobruk.

A que propósito me lembrei deste emblemático episódio da II Guerra Mundial? É que ele constitui uma exemplar lição de vida. A desonra é perder sem sequer dar luta. Vale para todas as épocas e para as mais variadas circunstâncias – e também na política, que é a continuação da guerra por outros meios.

A onda gigante (2)

Paulo Gorjão, 30.10.09

Estou aqui com uma dúvida: o apoio de Macário Correia a Marcelo Rebelo de Sousa -- ele que também apoiara Manuela Ferreira Leite em 2008 -- inscreve-se ainda na onda, tipo retardatário não convidado para fazer parte do clube, ou é a consequência visível, o efeito prático, da onda...?

 

Adenda

Ler também "Os votos que estão em disputa".

O perigo do timing

Sérgio de Almeida Correia, 30.10.09

Bastaram duas palavras, depois do visado ter dito mais de uma dezena de vezes que não era opção, para as hostes do PSD entrarem em acelerada ebulição. Paulo Rangel e José Luís Arnaut, de forma previamente ajustada ou por mera coincidência, mas num tom suficientemente grave e sério, vieram promover, e de antemão apoiar, a candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à liderança do PSD. Não sendo parvos, e tendo ambos lido Pavese, estarão de acordo em que não se trata de pedir ao prof. Marcelo que volte a um lugar onde foi feliz, mas simplesmente de reunir e dar-lhe as condições que ele gostaria de antes ter tido para poder disputar com hipóteses de sucesso o lugar de primeiro-ministro sem ficar à mercê de uma qualquer vichyssoise mal digerida. Durando 4 anos, como seria desejável para o país, ou apenas 2, como será necessário para que o PSD entretanto não se evapore, qualquer um deles sabe que vai ser muito difícil, se não houver escândalos nem uma operação do tipo Freeport, apear José Sócrates e o PS. Lançar agora Marcelo deixa Pedro Passos Coelho numa posição mais difícil para conseguir o resultado que Manuela Ferreira Leite lhe tirou. Reduz-lhe a margem de manobra e, pela rápida multiplicação de vozes da ala barrosista, vem aí um tsunami interno. O timing não é ingénuo e aponta para a concretização de uma estratégia anterior ao ciclo eleitoral. Não sei mesmo até que ponto Marcelo Rebelo de Sousa não estava já ao corrente destas movimentações. Sem se tirar o tapete a Manuela, que apesar de tudo venceu duas eleições, faz-se avançar Marcelo. Aproveita-se a actual calmaria e o defeso constitucional de seis meses para organizar as tropas, distribuir tarefas e, sem pressas, preparar o partido e ir tecendo a teia. Marcelo é um homem politicamente bem preparado, um académico reconhecido intra e extramuros, tem carisma, capacidade de liderança, inteligência, cultura e argúcia. Vai ser exigente na escolha dos colaboradores e se necessário cederá estrategicamente a alguns lobbies regionais (desde logo ao do Algarve, embora se detestem reciprocamente). É vaidoso. Mas José Sócrates também é. E embora continue a pensar que José Sócrates é no actual contexto o melhor primeiro-ministro a que podíamos aspirar (também tenho a consciência que o Benfica de hoje não é igual ao de Koeman ou Fernando Santos) era importante que não se perdesse a visão, a profundidade de análise e a noção de futuro. Neste cenário, seria bom que o PS, que sobreviverá muito para lá de José Sócrates, do XVIII Governo Constitucional e da confusão da Operação Face Oculta, começasse já a olhar um pouco mais para a frente. Arrumada, por agora, a questão da governação, e antes das primeiras picardias parlamentares, enquanto a  Europa se vai definindo e não começa a aplicação aligeirada do Tratado de Lisboa, importa começar a pensar, não necessariamente na sucessão de José Sócrates, como eu gostaria, mas nas perspectivas que importa trabalhar. A marcação terá de ser cerrada e não são admitidos erros. Nem na governação nem no PS. Daí a importância e o perigo do timing. Na decisão e na execução.

Uma polícia com paredes de vidro

Sérgio de Almeida Correia, 30.10.09

A forma como têm surgido as notícias na comunicação social relativas à Operação Face Oculta (ainda um dia há-de haver alguém que me explique a escolha de nomes tão bizarros para as operações da PJ), para além da evidente curiosidade que o assunto desperta, faz-me pensar que pelo menos por uma vez a investigação da PJ não se limitou a aguardar sentada, ao contrário do que aconteceu noutros processos que deram em nada, a transcrição de escutas telefónicas. Até agora, os relatos da imprensa e as imagens das televisões têm todos muito "molho". A ascensão, queda, morte e ressurreição de um caixeiro que chegou a banqueiro, condimentada com a generosidade de um grupo empresarial de Aveiro [é pena que uma terra com a tradição liberal, republicana e democrática de Aveiro seja hoje mais conhecida pelas proezas dos seus figurões do que pela sua história, excelente gastronomia e simpatia das suas gentes] e a ambição de um rapazinho nado e criado numa jota e que, por acaso e só mesmo por acaso, é filho do "patrão" das REN, tem todos os condimentos para servir de guião a uma novela policial. Condimentos, refeições abundantes, carros topo de gama, gente obscura que se move com facilidade nos meios políticos e empresariais, membros do Governo que não se deixam corromper, pagamentos em dinheiro e tipos com ar parolo, com os bolsos cheios e ávidos de promoção social, é coisa que parece não ter faltado. Para já só faltam as louras, mas com sorte elas ainda hão-de aparecer. Como assinalava ontem o João Gobern na sua revista da imprensa diária, agora o importante é saber se tudo isto tem consistência, se desta vez a PJ fez o trabalho de casa bem feito e se de uma vez por todas será possível começar a agarrar na maltosa que se apoderou dos partidos, dos negócios com as empresas do Estado e da vida pública, e que à custa deles ganhou educação, estatuto, notoriedade, posição, uma carreira e um pé-de-meia, atropelando todos os valores que lhes permitiram guindar-se às posições que ocupam. Para já, a única certeza, atendendo à pormenorização dos relatos das operações e ao detalhe das vigilâncias, é que a PJ tem paredes de vidro. E nem sequer é fosco. 

A notícia

Teresa Ribeiro, 30.10.09

Não sabemos nada dele. Pode ser apenas um palerma, mas como o estado de paixão nos limita o discernimento, merece que lhe demos o benefício da dúvida. Nesse caso poderá ser apenas um homem loucamente apaixonado. O que faz dela, a mulher de quem menos sabemos ainda, uma falsa, a pérfida encarnação do anjo azul, versão tropical. São mulheres assim que nos dão má fama.

Se fosse ao contrário, seria notícia? Talvez. Mas não seria a mesma notícia. Suscitaria menos dúvidas quanto ao perfil dele e dela e a aura romântica desaparecia da história. O tom seria de comiseração.

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