Quem semeia ventos, colhe tempestades...
Os votos dos emigrantes ainda estão a ser contados, mas desde há dias que correm as mensagens - e agora já as notícias - aventando que o candidato Santos Silva não será reeleito. Se assim acontecer não só será simbólico da derrota socialista, que tantos querem mitigar em nome de um "empate" - por exemplo, a ex-ministra e actual responsável socialista Alexandra Leitão, no seu avatar "comentadora", há dias dizia isso na televisão. Mas será também uma derrota pessoal estrondosa, denotativa dos efeitos da clausura na "bolha" política. Santos Silva é um intelectual brilhante e eterno governante - foi-o sob Guterres, Sócrates e Costa -, tendo tido tutela em várias áreas políticas. Na última legislatura foi eleito Presidente da Assembleia da República, cargo que exerceu de forma pouco tradicional, pois tão enviesada, tamanha a forma estratégica como confrontou o CHEGA - de facto, o deputado Ventura. A forma como isso seguia o tacticismo do PS era evidente mas também o era ser um trampolim para se afirmar publicamente como "candidato natural" de uma esquerda "antifascista" à presidência da República. Coisa tão óbvia que até Ferro Rodrigues, seu camarada de partido e antecessor no cargo, veio criticar. Altaneiro, imprevidente até, Santos Silva aos dizeres críticos fez-se mouco, e há dois meses anunciava a sua disponibilidade para continuar a ser presidente da AR, evidenciando não estar a par do que se passava.
Essa sua arrogância teve um ponto alto. É certo que o escol socialista e a "classe média" PS - os governantes e os tonitruantes - sempre reclamaram nada terem sabido sobre o percurso de José Sócrates. Com ele ombrearam, a ele defenderam até à última - até mesmo quando regressado de Paris papagueava sobre Rimbaud ou perorava no ISCTE, (pela mão de um antropólogo...), maquilhando-se da "alta cultura", pela "esquerda" entendida como necessária a Belém. Mas depois, após a queda do ex-PM, entre essa sua rede reinou um longo e atrapalhado silêncio, naquilo do "à justiça o que é da justiça". Até àquele célebre final de semana em que Carlos César e João Galamba (para além da necessária Fernanda Câncio) surgiram em simultâneo demarcando-se do antigo secretário-geral, tornando-o assim lastro largado ao mar. Ainda assim continuou-lhes o silêncio substantivo, sem qualquer autocrítica, numa inversão de marcha ou mesmo mero atalho.
Silêncio que teve uma excepção, quando há três anos, Santos Silva veio, com o sarcasmo de quem se julga plenipotenciário, dizer-se tão "parolo" que nem sabia que havia outro Santos Silva (o celebrizado "bom amigo" de Sócrates). Ou seja, no fim de tudo isto, ainda veio gozar com o pagode, desrespeitar a (escandalizada) população... O único das lideranças socialistas que se atreveu a tamanha soberba. Como tal, a confirmar-se que não será reeleito deputado isso será muito, mas mesmo muito, agradável.
Mas não evita uma amargura. A nova grande bancada parlamentar eleita parece assustadora, e muito para além das proclamações políticas mais imediatas. O rol das declarações pretéritas de vários eleitos do CHEGA mostra-os ultramontanos, um anacronismo. Para além disso, a bancada aparenta conter - a fazer fé nas fervilhantes mensagens que cruzam o "éter" (como se dizia no tempo em que vingavam algumas das atoardas defendidas por vários dos tais neo-deputados) - uma percentagem de indivíduos nada recomendáveis, alguns mesmo infrequentáveis. Algo verdadeiramente inverso ao anúncio Cheguiano de que é preciso "limpar Portugal"... E isto prenuncia algo: ou na próxima legislatura o CHEGA (apesar dos seus 50 deputados) continua a ter apenas a voz de Ventura, truculenta que seja mas hábil. Ou então falam vários e os dislates (e acima de tudo os "esqueletos") tanto espantarão os eleitores que aquilo implodirá...
Finalmente, o "Guardian" tem uma "reportagem" - de facto, uma recolha de declarações - sobre as eleições portuguesas. O mote é o das reacções das "minorias" face ao crescimento do CHEGA. A síntese é simples, há um milhão de racistas em Portugal. Evalina Dias, da Djass - Associação de Afrodescendentes, é liminar nessa perspectiva. Mas também afirma algo significativo: "não tínhamos ideia de que havia tantos racistas em Portugal. É como se estivessem escondidos." Eu concordo que as "minorias" - e também as "maiorias" - devem estar preocupadas com a ascensão desta extrema-direita, não tanto por derivas legislativas ou administrativas mas pela formação de um ambiente de práticas avulsas, uma hipotética vaga de turbulências avessas ao mito dos "brandos costumes" lusos. E será importante não reduzir o CHEGA a "racismo", pois muitos outros factores impulsionaram a vontade da tal "limpeza de Portugal".
Mas o importante é notar a surpresa patenteada por afinal haver tantos racistas... Ou seja, quando há alguns anos o demagógica partido LIVRE (do agora vitorioso professor Rui Tavares) lançou a campanha de que "Portugal é um país racista", essa generalização do racismo nacional não era matizado, deixava-se a ideia da sua universalidade. A reacção popular foi francamente negativa. A furibunda deputada desse partido de ex-comunistas, entre loas e mentiras (um célebre discurso em comício pós-confinamento no qual afirmou que a polícia não investigava um assassinato, ainda que 8 indivíduos estivessem presos há já meses, por exemplo), clamava ser criticada por ser negra - apesar do palco que a ávida imprensa lhe dava. Outras deputadas negras não reclamavam isso, uma influente ministra da Justiça negra também não, o próprio primeiro-ministro, com ancestrais indianos (ainda que o estatuto social dos goeses católicos/brâmanes sempre tenha sido algo diferenciado), também não - apenas, anos depois, quando amuou com os professores, verdade seja dita.
Ou seja, os custos sociais dos dislates do (agora vitorioso) partido LIVRE, a aversão que colheu a sua demagogia afirmando um "Portugal, país racista" - em vez do crítico "Portugal país com racismo" -, ou a da proclamação do apartheid em que vivemos, como clamava o socratista Miguel Vale de Almeida., - em vez de incentivar a efectiva e gradual, ainda que defeituosa, inserção dos imigrantes e seus descendentes nos serviços públicos - estão agora à vista. Não se trata de exigir humildadezinha, respeitinho, chapéu torcido nas mãos, a quem pugna pelos seus e nossos interesses. Trata-se de arrenegar a demagogia, o agit-prop dos nostálgicos da "revolução", proletária antes, interseccionalista agora. Demagogia que tem, em alguns momentos históricos, estes efeitos. Contrários. Pois quem semeia ventos, colhe tempestades, como diz o velho ditado ... sim, próprio de um povo de navegadores, desgraçados marujos, paupérrimos pescadores,
Ilustro desta maneira: uma coisa é defender a radical liberdade individual nas opções sexuais, existenciais. E a total liberdade artística. Outra coisa é ver num qualquer ecrã um prostituto (estrangeiro, ainda por cima) entrar em cuecas, armado de um par de implantes mamários - como se mamas sejam sinónimo de "mulher" -, interromper aos gritos um espectáculo teatral numa instituição estatal, em nome da exclusividade da sua "identidade", exigindo um emprego em cena. E ver que a instituição estatal lhe dá razão! Pede desculpa e consagra o direito de para representar alguém transgénero só é legítimo utilizar alguém "semelhante", sacralizando isso das "identidades". E ver ainda alguma "minoria" intelectual a louvar isto - ainda que o dito brasileiro preferisse, como logo veio dizer, ir ao futebol com o namorado pois o teatro aborrece-o.
Quantos milhares de votos "custa" uma patetice destas? E as outras...?